História da saúde pública no Brasil - Outros (2024)

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HISTÓRIA e A série Historia em Movimento compõe-se de livros destinados a Complementando e aprofundando temas desenvolvidos Claudic Bertolli Filho nos livros a pretende apotar trabalho do professor e estimular o interesse dos História da saúde História da saúde pública no Brasil trata de um tema pouco usual nas aulas de mas muito importante para os brasileiros. Mais que um tema, pública no Brasil é uma realidade dramática, que conhecimento histórico certamente vai ajudar a compreender. Outros títulos da série: o racismo na história do Brasil Maria Luiza Tucci Religião e religiosidade no Brasil colonial Mary Del Priore o brilho de mil sóis - História da bomba atômica José Augusto Dias e Rafael Roubicek Mercosul a sociedade global Walter Praxedes e Nelson Piletti Alemanha - Da divisão à reunificação Serge Cosseron Guerra e no Oriente Médio Michel Treignier Guerra e poder na sociedade feudal Cyro de Rezende Filho A Segunda Guerra Mundial Marco Chiaretti Palestinos - Em busca da pátria Yazbek

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Editor João Guizzo Coordenação da edição e edição de texto Maria Izabel Simões Gonçalves Preparação de texto HISTÓRIA leda Estergilda de Abreu e m movimento Revisão Hélia de Jesus Gonsaga (coord.) Carvalho Neves Projeto gráfico Paulo Cesar Pereira dos Santos Editoração eletrônica Processo de Criação Claudio Bertolli Filho Claudio Bertolli Filho é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e dedica-se ao estudo das questões É professor da Universidade do Vale do e das Faculdades História da saúde Metropolitanas Em co-autoria com José Carlos Sebe Bom A Revolta da Vacina Guerras e Revoluções Brasileiras, pública no Brasil 44 EDIÇÃO impressão ISBN 85 08 05801 2 E Coordenação da série 2006 Francisco M. P. Teixeira Av. Alves de 4400 CEP São Paulo, SP (11) 3990-2100 Fax: internet www.atica.com.br

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Da colonização à República: Sumário a raiz histórica da doença 1 Da colonização à a raiz histórica da As primeiras referências sobre as terras e os doença 5 o dilema sanitário no período colonial 5 indigenas descobertos em 1500 por Pedro Álvares Cabral davam a Império enfermo 8 idéia de um paraiso terreno. A beleza e a grandiosidade das paisa- A civilização contra a barbárie 11 gens, a riqueza da alimentação, a pureza das águas e o clima Nasce a de saúde brasileira 14 2 - Na Republica Brasil "civiliza-se" 16 ameno combinavam, aos olhos do europeu, com a saúde dos As oligarquias e a saúde pública 16 habitantes do Novo Segundo as descrições, os indios que As doenças dos brasileiros 21 ocupavam a região do Brasil eram robustos e ágeis, des- saneamento das cidades 24 conhecendo as mortais enfermidades que naquele ceifa- A Revolta da Vacina 27 3 - A saúde pública na era Vargas (1930-1945) 30 vam milhares de vidas em todo o continente europeu. A institucionalização da saúde pública 30 Getúlio, o pai dos pobres 32 o dilema sanitário no período colonial A educação em saúde 34 A "sociedade dos homens doentes" 37 A forte tendência idealizadora que marcou a composição das 4 - A democratização e a saúde (1945-1964) 39 primeiras imagens do Brasil durou pouco. "paraiso" tropical A criação do Ministério da Saúde 39 anunciado pelos marinheiros quando retornavam para seus portos atendimento médico aos trabalhadores urbanos 42 A politização da saúde 46 de origem foi logo pela versão oposta. Já no século 5 - A saúde no regime militar de 1964 49 XVII a colônia portuguesa da América era identificada com regime dos generais presidentes 49 "inferno", onde os colonizadores brancos os escravos africanos o esvaziamento do Ministério da Saúde 51 o Estado e a Previdência Social 54 tinham poucas chances de Os conflitos com os Saúde: um bom negócio para capital estrangeiro 58 genas, as dificuldades materiais da vida na região e sobretudo as 6 - A saúde nos anos 80 e 90 60 múltiplas e frequentes enfermidades eram os principais A crise da saúde 60 o Sistema Unificado de Saúde 63 para o estabelecimento dos A epidemiologia da desigualdade 64 Conclusão "Saúde para todos no ano 2000" 67 Físicos e cirurgiões Depois da leitura: reflexão e debate 70 Bibliografia 71 A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigo o pro- jeto europeu de colonização e exploração econômica das terras brasileiras. Diante do dilema sanitário, o Conselho Ultramarino português órgão responsável pela administração das colônias criou ainda no século XVI os cargos de cirurgião- 5

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mor. Seus titulares foram incumbidos de zelar pela saúde da popu- confidenciando que ele próprio recorria aos "curadores" e lação sob domínio Essas funções, no entanto, permanece- aos padres da Companhia de Jesus para tratar da ram por longos períodos sem ocupantes no Brasil. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se para cá, desestimulados pelos baixos salários e amedrontados com os perigos que enfrentariam. A ausência de serviços de saúde eficientes fazia com que a orientação dos médicos só fosse aceita em épocas de epidemia", por exemplo, em surtos de variola". A variola então chamada de mal das bexigas era uma doença conhecida desde 3000 a.C. pelos povos do Oriente da É provável que tenha vindo para o continente americano com os escravos africanos, tornando-se a principal causa da mor- Epidemia tandade que periodicamente assolava as cidades e as vilas brasilei- ras. Dos núcleos urbanos, a doença se disseminava pelos sertões, de uma provocando a morte de grande número de e de escravos que um grande número de trabalhavam nos engenhos de açúcar do Nordeste e na extração de de mesmo ouro em Minas Gerais. registra aplicação popular negros As vítimas da escravos has Rio de do XIX Verdade que que de com todo em para grande com ser de chamam sei de so qual se the que se comunica de uns como Os poucos médicos e cirurgiões que se instalaram no Brasil de fazer pele do a de uma toda se fora encontraram todo tipo de dificuldade para exercer a profissão. à daquele que ficando fora # século Diálogo Além do imenso território e da pobreza da maior parte dos habi- se despe desta morre muita gente, das grandezas do Brasil São Paulo, tantes, que não podiam pagar uma consulta, povo tinha medo de do como fossa queimada poder achar remédio preservativo se submeter aos Baseados em purgantes e esses tratamentos em geral enfraqueciam os pacientes e causavam Nos surtos epidêmicos, os médicos e os curandeiros pouco a morte daqueles em estado mais grave. Em vez de recorrer aos podiam fazer, já que quase nada se conhecia sobre a médicos formados na Europa, a população colonial, rica ou pobre, assim como sobre as demais doenças infecto-contagiosas. A única preferia utilizar os remédios recomendados pelos curandeiros opção possível era exigir afastamento dos enfermos do ambien- negros ou indigenas. te ocupado pelos sadios o que, na maioria das vezes, levava os infecciosa Em 1746, em todo o território dos atuais estados de São Paulo, "bexiguentos" a morrerem sozinhos, nas matas próximas às vilas causada e Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goias, havia apenas em febre Se o isolamento dos infectados era aceita por todos, seis médicos graduados em universidades européias. capitão- médicos e pacientes, o mesmo não acontecia quando os médicos generalizadas e principalmente no general Luis de Mascarenhas, que administrava a capitania de São tentavam prevenir a variola fazendo um pequeno corte no braço, aparecimento de Paulo, reconhecia que os médicos europeus eram "raros e caros", que Sangria colocando ai um pouco de pus extraído das feridas de um doente pelo enquanto os boticários (espécie de farmacêuticos) haviam se de extrair sangue em Nesse momento, muita gente fugia aterrorizada A forma variola major negando-se a socorrer os enfermos sem dinheiro. do corpo do com dos povoados e das fazendas e se escondia nas matas, esperando matando vinte em capitão-general exaltava ainda a eficiência dos remédios popula- que os agentes médicos se retirassem ou fossem expulsos do lugar. cada atingidos 6 7

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Império enfermo Em seguida, a Junta de Higiene Pública voltou os olhos para a própria população da Corte, exigindo que todos se vacinassem A vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 determinou contra a Desde o início do século XIX, a cidade já conta- mudanças na administração pública colonial, inclusive na área da va com uma vacina para conter o avanço das bexigas. Criada em saúde. Como sede provisória do império lusitano e principal porto 1796 pelo médico Edward Jenner, era produzida com pus do país, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se o centro das ações retirado de bovinos infectados pelo da Essa vacina sanitárias. Com elas, dom João VI procurou oferecer uma imagem teve rápida aceitação no mundo ocidental como a melhor estraté- nova de uma região que os europeus definiam como território da gia para impedir a ocorrência de epidemias da doença. barbárie e da escravidão. Por fim, alguns médicos concluíram que as enfermidades cario- cas eram causadas por "miasmas", isto é, pelo "ar corrompido" Escolas de medicina que, vindo do mar, pairava sobre a cidade. Como precaução, reco- Para um atendimento mais constante e organizado das ques- mendavam aos mais ricos que se afastassem da Corte nos períodos tões sanitárias, era necessário criar rapidamente centros de for- de crise sanitária e procurassem nas cidades serranas, prin- mação de médicos. Assim, por ordem real, foram fundadas as cipalmente em Para aqueles que não podiam sair do Rio academias médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro (1813) da Bahia de Janeiro, os médicos proibiam consumo de bebidas e frutas (1815), logo transformadas nas duas primeiras escolas de medi- geladas que, segundo eles, facilitavam as infecções. E ainda con- cina do país. vocavam a a disparar periodicamente tiros de canhão, para Em 1829, por ordem de dom Pedro I e em resposta ao pedido segundo diziam movimentar o ar e afastar os perigosos feito por membros da elite nacional, foi criada a Imperial Academia Febre "miasmas" estacionados sobre a cidade. de Medicina. Reunindo os principais clínicos que atuavam no Rio amarela de Janeiro, essa academia funcionou como órgão consultivo do imperador nas questões ligadas à saúde pública Nessa causada por um ao homem época, surgiu também a Junta de Higiene Pública, que se mostrou picada de pouco eficaz e, apesar de várias reformulações, não alcançou o Caracteriza-se porum objetivo de cuidar da saúde da brutal com febre de quarenta dores violentas Médicos e miasmas costas na cabeça e Filhos do seu tempo, os médicos do sobretudo os que podendo lever atuavam na Corte, não sabiam o que fazer para evitar as doenças infecciosas que atingiam os habitantes da capital, depois dissemi- Cólera nadas pelos viajantes por todo o país, inclusive entre os da Infecção intestinal muito Uma primeira hipótese nem sempre verdadeira contagiosa causada levantada nos debates médicos foi a de que os navios vindos do pelo Vibrio estrangeiro seriam os principais causadores das epidemias cario- águas cas, como as de variola, febre e Em 1828 foi caracterizada por As valas do Rio de organizada a Inspetoria de Saúde dos Portos, e todas as embarca- se não tratado Desenho de ções suspeitas de transportarem passageiros enfermos passaram a pode Fleuiss sobre ser obrigatoriamente submetidas a quarentena, numa ilha próxima levar à more num doenças que de à baía de Guanabara. capital do Brasil no século XIX 8 9

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Segundo Reinado Brasil mantinha a fama de ser um dos países mais o Rio de Janeiro exporta a febre amarela insalubres do planeta. Era comum aconselhar aos viajantes europeus A febre amarela tem se tornado segunda epidemia de 1859 a Dr. Pereira que evitassem visitar os portos no em quase a que depais de das epidemias de todas as invernadas deste princi- experimentado decrescimento e reinado pal irradia-se mais menos longe; é durante inverno de no Brasil de Typographia assim que a cidade de for com de a Nacional, 0 médico atacada am As tripulações estão, Peraira do Rego presidente da Desde época de mente na presença é Academia Nacional de e grande epidemia nesta cidade, sua que qualquer navio estacionado na da Junta Central de Higiene duração não $8 and do não the pague sempre A Casa de sanão em tributo mais menos de São de XIX Desde 0 inicio da Sem avanço foram A fragilidade das medidas sanitárias levava a população a lutar Santas que responderam por conta própria contra as doenças e a morte. Em casos mais gra- atendimento ves, os doentes ricos buscavam assistência médica na Europa ou à maioria da população cidades nas clínicas particulares que começaram a ser criadas na região serrana Para os pobres, restavam sobretudo os curan- deiros negros, que continuaram a ser os principais responsáveis pelo tratamento dos que tinham pouco dinheiro. As Misericórdias Além disso, os doentes tinham muito medo de ser internados Fai em 1498 que regente portu- Portugal à criação de Santas das por doações feitas pelas elites nos raros hospitais públicos e nas Santas Casas. Em suas enferma- guesa 0 primeiro Casas nos principais brasilei- regionais por verbas rias misturavam-se pacientes de todos os tipos, sendo comum dois hospital da Santa Casa de ros A primeira foi fundada na vila de Atualmente existem centenas de ou mais doentes dividirem mesmo leito. claro que tal "trata- cumprindo a promessa crista de Santos, em 1543, seguida pelas do Santas Casas espalhadas por todo 0 todos principalmente Espirito Santo, da Bahia, do de Brasil, atuando como um principais mento", somado à falta de higiene dos hospitais, fazia com que as mais A transposição Janeiro e da vila de ainda no centros de assistência médica da famílias evitassem internar seus parentes, pois a morte era desti- ideal para os territórios colonizados por século XVI. Todas elas foram financia- no certo da maioria dos pacientes pobres. A fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de saúde da coletivi- A civilização contra a barbárie dade. Tentativas foram feitas, mas sem os efeitos desejados. Positivismo Significativamente, dom Pedro II é sempre lembrado como A proclamação da República em 1889 foi embalada por uma Sistema que que monarca que incentivou as pesquisas premiando os idéia: modernizar o Brasil a todo custo. E para muitos, o lema posi- conhecimento intelectuais que se destacavam no Brasil e mesmo no exterior. Ordem e Progresso, inscrito na bandeira nacional, só come- limita descrição dos fatos imperador foi muito elogiado pela imprensa estrangeira em 1886, caria a concretizar-se a partir do momento em que o país contasse observados por ter doado uma expressiva quantia à França, para que lá fosse com uma "ditadura republicana", fiadora da necessária ordem, e reformar com um povo suficientemente saudável e educado para o trabalho Estado a sociedade montado um sofisticado laboratório de pesquisas das doenças tidas sob dominio da cotidiano, força propulsora do progresso como males típicos das regiões Apesar disso, no final do 11 10

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trabalho como capital A necessidade urgente de atualizar a economia e a sociedade escravistas, até pouco antes com mundo capitalista mais avan- çado favoreceu a redefinição dos trabalhadores brasileiros como capital Essa idéia tinha por base o reconhecimento de que as funções produtivas são a fonte geradora da riqueza das nações. Assim, a capacitação fisica intelectual dos operários dos cam- instrumentos de de poneses seria o caminho indicado para alterar a história do país, considerado no exterior como "região bárbara". Era preciso sinto- de 1851 nizá-lo com a sociedade então rotulada de "civilizada" e que tinha eram para Bacteriologia cirurgias como como modelo as nações mais ricas do mundo. da ciência que Nesse contexto, a medicina assumiu o papel de guia do Estado estuda as para assuntos sanitários, comprometendo-se a garantir a melhoria surgiu da saúde individual e coletiva e, por extensão, a defesa do projeto referia-se de todos Peste de modernização do tipos de bubônica Fisiologia Conceitos e preconceitos causada pelo da biologia chamada de medicina pública, medicina sanitária, higiene ou sim- A atuação médica, porém, enfrentaria o choque entre as idéias que estuda as pelo funções plesmente saúde pública. A saúde pública era complementada por aparecimento de tradicionais, que atribuiam as epidemias aos "ares corrompidos", e los processos e as atividades um núcleo de pesquisa das enfermidades que atingiam a coletivi- bubões nas as teorias da medicina moderna nos conceitos da bac- por dade a teriologia" da fisiologia" desenvolvidos na Europa e que tinham a nutrição per respiração. em Louis Pasteur e Claude Bernard seus principais divulgadores. Novos serviços septicemia mortal Incentivada pelos governos republicanos, a novidade médica rato desemponha Os fundadores da medicina moderna papel essencial na exigiu a reorganização dos serviços sanitários. As antigas juntas e disseminação da Coube francases Louis Pasteur provando que um quisas referentes à fisiologia inspetorias de higiene provinciais foram substituídas pelos servi- ao (1822-1895) # Claude (1813-1878) grande número de doenças era causado Seu Introdução sanitários Bastante deficientes no início, tais servi- homem por intermédio da papel de pieneiros da medicina por 0 médico mental, lançado em mantém-se até pouco fizeram pela melhoria da saúde popular e tornaram-se na 0 Pasteur Claude aperfeiçoou métodas hoje como fundamental alvo de constantes do povo das próprias autoridades. Febre e métodos de às de estudo da realizando pes- das pesquisas A desorganização dos serviços de saúde nos primeiros anos da Doença e contagiosa causada As faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia foram facilitou a ocorrência de novas ondas epidêmicas pelo consumo de água com as instituições que mais hesitaram em aceitar as novas propostas. no país. Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e as principais cida- bacilo des brasileiras continuaram a ser assaltadas por febre pelo contato Seus professores evitavam discorrer sobre os conceitos de Pasteur, direto com objetos repetindo as noções que vinham sendo ensinadas desde a criação amarela e ainda por peste febre cólera, que de dos dessas faculdades. mataram milhares de pessoas. por Pouco a pouco, entretanto, começou a ganhar forma no Brasil Diante dessa situação calamitosa, os médicos higienistas rece- febre um novo campo do conhecimento, voltado para o estudo e a pre- beram incentivo do governo federal, passando a ocupar cargos venção das doenças e para o desenvolvimento de formas de atua- importantes na administração Em troca, assumiram com intensa e ção nos surtos epidêmicos. Definiu-se assim uma área compromisso de estabelecer estratégias para o saneamento das do 12 13

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ÓBITOS POR E FEBRE AMARELA outros setores da sociedade, tais como educação, alimentação, habitação, transporte e trabalho. No conjunto, a presença e a atua- NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ção do Estado nessas áreas recebe nome de politica Mortes por febre Anos Mortes por variola amarela Política de saúde e políticas sociais 642 Historicamente, a política social tem sido o setor menos privile- 1850-1859 giado pelas autoridades republicanas. E isso apesar de trabalho 1860-1869 730 de cada um dos cidadãos ser considerado a grande fonte geradora 1870-1879 12 916 6 625 da riqueza 1880-1889 Essa contradição é explicada pela lógica das relações sociais 1890-1899 20 879 8599 dominantes no Brasil e na maior parte dos países de passado colo- Form 1913 nial. Apesar das repetidas promessas oficiais de criar condições para a melhoria do padrão de vida da população, na verdade o áreas indicadas pelos Os principais objetivos da atuação Estado acaba privilegiando os investimentos na expansão da pro- desses médicos eram a fiscalização sanitária dos habitantes das dução. Com isso, muito mais a elite econômica do que a cidades, a retificação dos rios que causavam enchentes, a drena- parcela mais pobre da sociedade. A adoção do regime republicano gem dos pântanos, a destruição dos viveiros de ratos e insetos dis- manteve, pelo menos em boa parte, a da desigualdade que seminadores de enfermidades e a reforma das grandes beneficia os grupos sociais mais ricos, condenando a maioria da cidades. Deveriam também divulgar as regras básicas de higiene e população a condições precárias de vida. tornar obrigatório o isolamento das pessoas atingidas por moléstias o compromisso governamental com as necessidades básicas da infecto-contagiosas e dos pacientes considerados perigosos para a população tem sido relegado sempre a segundo plano, perpetuan- Iniciava-se a era da hospitalização compulsória das viti- do um circulo tristemente vicioso: desamparado e sem participa- mas das doenças contagiosas e dos doentes mentais. ção decisiva nas decisões do governo, o trabalhador recebe salários baixos e vive mal, adoecendo com facilidade. Doente e mal ali- Nasce a política de saúde brasileira mentado, ele tem a sua vida produtiva abreviada, tornando muito A idéia de que população capital humano e a incor- mais dificil a superação da pobreza nacional. poração dos novos conhecimentos clínicos e epidemiológicos às práticas de proteção da saúde coletiva levaram os governos repu- blicanos, pela primeira vez na história do país, a elaborar minucio- sos planos de combate às enfermidades que reduziam a vida pro- dutiva, ou da população. Diferentemente dos períodos ante- riores, a participação do Estado na área de saúde tornou-se global: não se limitava às épocas de surto epidêmico, mas estendia-se por todo tempo e a todos os setores da A intervenção estatal nas questões relativas à saúde individual e coletiva revela a criação de uma de Esta, por sua vez, não pode existir isolada, devendo articular-se com os projetos e as diretrizes governamentais voltados para 15 14

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só foi possível porque a rica oligarquia local decidiu destinar gran- des verbas para a área da saúde pública. Foram as maiores quantias até hoje investidas na saúde, em relação ao total de recursos anuais aplicados por um estado brasileiro. Na República 0 Brasil "civiliza-se" Dispondo de equipamentos e funcionários especializados, o Ser- viço Sanitário pôde fiscalizar as ruas e as casas, estendendo a vigilân- cia a praticamente tudo estábulos, hospitais, bares e Durante a Republica Velha (1889-1930) Oligarquia cemitérios. Tornou-se obrigatória a notificação oficial dos casos social país foi governado pelas dos estados mais ricos, espe- formado por de doenças infecto-contagiosas em pessoas residentes ou em cialmente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A cafeicultu- grandes capitalistas, geralmente sito pelo ra era principal setor da economia, dando aos fazendeiros paulis- que Além disso, as autoridades paulistas determinaram que apenas os detêm controle tas grande poder de decisão na administração econômico médicos diplomados (em faculdades de medicina, do Brasil e do de estado ou de exterior) poderiam tratar da saúde da população. A foi convo- As oligarquias e a saúde pública cada para localizar e punir os curadores e os curiosos que atendiam Os lucros produzidos pelo foram parcialmente aplicados nas aos enfermos mais pobres, multando-os ou ameaçando-os de prisão. cidades. Isso favoreceu a industrialização, a expansão das atividades comerciais e o aumento acelerado da população urbana, engrossada A era dos institutos pela chegada dos imigrantes desde o final do século XIX. De seu Para assegurar a eficiência das tarefas dos higienistas e dos fis- a tratou de reformar as principais cidades e os gran- cais sanitários, governo paulista organizou vários institutos de des portos, buscando modernizá-los e facilitar fluxo de homens e pesquisas, articulados à estrutura do Serviço Sanitário. Em 1892 mercadorias, necessários à desejada "ordem e foram criados os Bacteriológico, Vacinogênico e de Nesse sentido, as oligarquias da Velha buscaram Análises Clínicas e Ampliados logo depois, trans- apoio na ciência da higiene para examinar detidamente o ambien- formaram-se, respectivamente, nos institutos Biológico e te físico e social das populações urbanas. Tratava-se, na verdade, Bacteriológico (este último mais tarde denominado Instituto de definir estratégias para melhorar as condições sanitárias das Adolfo Lutz). áreas vitais para a economia nacional as cidades e os portos. A contratação de pesquisadores estrangeiros para orientar as Para isso foram montados os primeiros laboratórios de pesquisas atividades iniciais dos institutos paulistas permitiu ainda que, em médico-epidemiológicas da história brasileira. meio rural seria 1903, fosse inaugurado o Instituto Pasteur local, com a função de relegado a um sombrio segundo plano, só chamando a atenção dos produzir e comercializar produtos de uso médico-veterinário. médicos e das autoridades quando os problemas sanitários interfe- A eficiência dos médicos e dos institutos inspirados pelas riam na produção ou extrativista destinada à exportação. novas concepções cientificas foi rapidamente colocada à As novas perspectivas abertas pela medicina européia e o dese- Em 1902, por exemplo, verificou-se um aumento de mortes por jo de superar a do passado colonial renovaram o Serviço febre amarela nas cidades de Santos, Ribeirão Preto e Sorocaba. Sanitário paulista. Criado em 1892, em pouco tempo ele se tornou Os médicos ligados à teoria miasmática afirmavam que a doen- a mais sofisticada organização de prevenção e combate às enfermi- ça era causada pela poluição dos ares ou pelo vômito dos enfer- dades do país, servindo de modelo para os outros estados. mos indicavam isolamento dos infectados como forma de com- A forte intervenção higienista em São Paulo a partir dos últimos bate à enfermidade. Ribas, diretor do Serviço Sanitário anos do século XIX, especialmente na capital e no porto de Santos, 17 16

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de São Paulo, e seu auxiliar Adolfo Lutz contestaram essa expli- cação. Baseando-se em informações vindas da França e dos Unidos, afirmavam que a era causada por um de Institute veiculado pelo mosquito Aedes aegypti quando picava Oswaldo Da Games de Carlos não em Oscar Gaspar Cientistas e sanitaristas Na fase dos institutos de gens pelo interior do Brasil, dando con- técnicos de laboratório tinuidade a tropeiros, eles em lombo mesmo tempo como cientistas como práticas para problemas de e em barcas uma região do Seguindo exemplo de sanitários das regiões visitadas dos estados da Bahia, de Orwaldo Emilio Ribas Vital Uma das famosas do de tratando dos enfer- no do Brasil, realizavam realizada de a mos que encontravam pelo caminho e 1917-1920) pesquisas de 1912 pelos médicos Artur Neive reconhecendo 0 critico estado sanitário via- Acompanhados por da população Para confirmar essa hipótese, seis pessoas inclusive Emílio Ribas e Adolfo Lutz serviram de cobaias, deixando-se picar Fora da área de atuação dos pesquisadores dos institutos de São por mosquitos que tinham sido apanhados junto aos doentes de Paulo e do Rio de Janeiro, a escassez de recursos fez com que pouco febre amarela. Os seis apresentaram sinais da Ficou ou nada fosse realizado em beneficio da saúde coletiva. Alguns assim comprovada a teoria moderna do agente disseminador da laboratórios de pesquisas foram criados em Minas Gerais, no Pará e febre no Rio Grande do Sul, mas a pobreza dessas instituições e as dispu- No Rio de Janeiro, o principal centro de pesquisas foi Instituto tas entre os grupos faziam com que os centros médicos Soroterápico de Manguinhos, em funcionamento desde 1899 com o pouco fizessem em favor da população. Os trabalhos dependiam objetivo inicial de produzir soros e vacinas. Seu primeiro diretor foi quase sempre da dedicação de algumas pessoas. No Recife, por o clínico Pedro Afonso, que foi sucedido por Oswaldo Cruz. Com exemplo, médico Otávio de Freitas teve de se defrontar com poli- esse médico, instituto diversificou suas atividades, transformando- ticos e mesmo com colegas de profissão para desenvolver importan- se em poucos anos num dos mais reputados laboratórios do mundo. tes pesquisas sobre a disseminação da tuberculose no Reunia destacados cientistas nacionais, entre eles Carlos Chagas, Como resultado, enquanto ou pelo menos ficava está- Artur Neiva e Rocha Lima. Em os de Manguinhos vel a propagação de várias doenças contagiosas ou parasitárias no tornaram-se o Instituto Oswaldo Cruz, que permanece até hoje como Rio de Janeiro e em São Paulo, no restante do país os das principal centro de pesquisas médico-epidemiológicas do mesmas enfermidades mantinham-se altos, tendendo a elevar-se. 18 19

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Habitação de em Lassance, interior de no inicio do XX Foi que que transmite doença de Chagas desta casa foram atingidos pela As doenças dos brasileiros Endemia Doença Apesar da redefinição dos conceitos epidemiológicos e da em atuação dos institutos de pesquisas, a maior parte das oligar- ataca um número de quias estaduais não se dispunha a gastar dinheiro com os órgãos da saúde pública. Assim, os brasileiros, principalmente os do Malária interior, continuavam a sofrer muitas enfermidades de caráter conhecida como maleita à uma infecciosa provocada pelo Campo e cidade Carlos Em 1918, o Brasil tinha uma população rural em torno de vinte inoculado no milhões de pessoas; havia 17 milhões de enfraquecidos pelos para- homem pela picada A descoberta do Dr. Chagas dos mosquitos da sitas intestinais, três milhões de da doença de Chagas, dez variedade Tudo começou 00 verão 1909 então a que A partir desse 0 médico milhões de atacados pela e ainda cinco milhões de tuber- Anopheles 0 doente apresenta quando Carlos Chagas na Tripanosoma Para saber se descreves 0 quadro clinico apresenta- Mesmo considerando apenas esse pequeno conjunto de febre em organização de una campanha con- causava siguma do pelos contaminados, estudando tam- doenças, podemos concluir que as pessoas padeciam geralmente regulares e Seu medicamento tra malária na cidade mineira de ele realizou de sangue nos as características da doença seu de mais de uma enfermidade. Juntando a esse quadro a subnutri- especifico Lassance Carlos Preo- radores da Encontrou modo de Soube-se então que 08 barbeiros infestavam as casas ção e alcoolismo, conclui-se que o homem rural brasileiro era cupado en conhecer locais, número de amostra acima de tudo um personagem Coronel de pesquisador percebeu de menina de Patenta da 0 do cia um grande número de que apresentava pequenas feridas Debilitada, a população pobre do interior pouco podia fazer. Guarda Nacional no pequeno, mesmo tempo que (que alimentam de Quando muito la até a farmácia e conseguia remédios fortifican- tempo do pele e aumento do do figado e 0 a sangue humano, reservada ags homens sangue conhecidos como do Tais eram com 0 chagá- tes em troca de algum dinheiro ou de uma ou duas galinhas. Se mais poderosos de um local nos habitantes de muites dos pela nem isso fosse possível, recorria aos que dominavam a esse a Procurando esclarecer SUBS carac- quais de problemas cardiaces tende a 0 local do pequeno região. Eles geralmente possuiam um exemplar do Formulário ser dado pela 0 Dr. Chagas 0 con- resultantes da Estava mento com isso 0 material contamina- população ricos Chernoviz, um guia médico editado desde meados do século XIX, que dos intestinos dos barbeiros, berta que recebeu 0 do cai na corrente permitin- económica descobrindo al até name de doença de Chagas que ensinava a tratar das doenças, muitas vezes com remédios pre- parados à base de ervas das matas brasileiras. 20 21

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Para muitos estudiosos do ini- cio do século, as doenças eram a grande causa da pobreza brasi- Teca Tatuzinho leira. Jeca Tatu, criado pelo MONTEIRO escritor Monteiro Lobato, tor- nou-se o símbolo do caboclo LOBATO brasileiro. Era um homem fra- e desanimado, cujas enfer- midades o impediam de parti- Un cortiço cipar no esforço de fazer o Brasil volta de 1900 progredir. A de higiene Nas cidades, as mesmas doen- que atingiam a população para de no período anterior à proclama- ção da ganharam no- cidades vas mais trágicas dimensões, tanto pela chegada de grandes levas de imigrantes quanto pelo Questão de raça ou de saúde? aumento da pobreza. Diante dessa grave situação, uma parcela da elite intelectual nuo crescimento da população acreditava que as endemias e a baixa produtividade da população EDICAO REVISTA PELO AUTOR NA QUAL urbana resultou na multiplica- SE COMPLETAM EXEMPLARES 1950 se deviam à qualidade da "raça brasileira". Apoiados nos concei- ção dos cortiços e das favelas e GRATUITA tos da dizia-se que a mistura de brancos, negros e também do número de Jeca permanente do ignorante e do interior criara um "tipo nacional" condenado à preguiça e à debilidade fisi- Eugenia que estude edição (1950) do de Menteiro ca e Destacou-se o médico João Batista de Lacerda, dire- propaganda do tor do Museu Nacional, que defendeu essa idéia no estudo Os raciais dos No ou mestiços do Brasil, publicado em 1911. do século, afirmava que as Jeca Tatu Acreditavam os eugenistas que pouco poderia ser feito pelos doen- mais perfeitos tes e pela saúde pública nacional, a não ser esperar desaparecimento representantes da Tatu era um pobre Jeca Tatu a barbicha as desgraças vida espécie humana; que morava no mato, numa casinha de E passantes dos "híbridos raciais" e dos grupos humanos considerados "biologica- demais raças Vivia na maior pobreza, Não paga a Além de mente inferiores", entre os quais se os negros e os alguma dose de panhia da magra # feia, para pagava a pena. Contrariando essa pregação, outra parcela da elite intelectual via de tristes. Não a consertar a o Brasil como "vasto que necessitava de urgente inter- Jera Tatu tão traco que fazer sma plantar Monteiro Problema venção do governo no setor sanitário. Saúde e desenvolvimento do vinha com um que de São Brasiliense, 329-330 econômico eram considerados elementos de uma mesma equação. paracia E vinha arcado, a beber (Texto publicado originalmente em se estivesse carregando que Jeca? di- 1918 e durante muitos anos Médicos como Belisário Pena e Miguel Pereira empenhavam-se em enorme como de do alertar as autoridades para a precária situação que vitimava os bra- que não traz de uma vez para sileiros, exigindo pronta intervenção oficial na questão sanitária e um Esquecer na melhoria geral das condições de vida da 23 22

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Pereira Passos começou por determinar a expulsão de milhares Doença e miséria de trabalhadores pobres que viviam nos prédios antigos e decaden- Num país de doentes de anal- cia se juntam a sem produzir, anemiando tes do centro da cidade, transformados em cortiços. Sob a alegação 0 Brasil, a abatimento as lesões nação, ou pelo menos embaraçando de que tais construções eram as principais responsáveis pela proli- pação de gover- para 0 progresso para a feração dos ratos e dos mosquitos transmissores da febre amarela e nantes conscientes ser a do desgraçadamente a caso do expansão. saneamento moral e intelectual que conta seguramente 80% de da peste bubônica, as autoridades sanitárias promoveram a derruba- dos seus analfabetos outros tantos dos seus Belisário do da desses prédios. Em seu lugar foram construídas amplas avenidas, Não não pade habitantes afetados de Brasil Rio de Revista dos parques e afinados com a modernidade haver entre igno- vegetando 1918 Em seguida, Oswaldo Cruz iniciou os trabalhos de higienização rantes, muito pelos campos pelos da capital, montando um esquema de fiscalização das ruas e das casas que abrigavam a população do centro carioca. Em poucos saneamento das cidades meses, foi criado um corpo de inspetores sanitários que tinha a mis- são de entrar em todas as residências para localizar possíveis ninhos Apesar de as condições de saúde serem mais na área de ratos ou ambientes que servissem de viveiro para os mosquitos. rural, durante a Velha pouco foi realizado em beneficio dos habitantes dessas regiões. A Amazônia, cujos lucros rios da exploração da borracha interessavam ao governo federal, foi uma próprio Oswaldo Cruz foi convocado em 1913 a visitar a região e traçar um plano para a erradicação das princi- pais enfermidades que dizimavam os seringueiros. No resto do nums caricatura país, o Estado voltou suas atenções para a recuperação e moderni- publicada ea revista zação dos portos do Rio de Janeiro, de Santos, do Recife, de francesa de Salvador e de Belém, contraindo grandes empréstimos no exterior. de Brigada de Rio de Janeiro equipamentos Nenhuma outra brasileira foi alvo usadas de tantas ações médicas quanto o Rio de Janei- ro. Porta de entrada do Brasil e principal saída Paralelamente, os higienistas voltaram-se para os morros que das exportações, nos primeiros anos da Repú- circundavam centro do Rio de Janeiro e que já abrigavam inúme- blica a cidade mantinha-se como matadouro de ras favelas. Alegando que alguns morros dificultavam a circulação estrangeiros que ousavam permanecer por dos ares e comprometia a saúde coletiva, Oswaldo Cruz ordenou a algum tempo nos Por isso, durante retirada da população dessas áreas, a destruição das favelas e a ter- período presidencial de Rodrigues Alves raplanagem dos morros pela prefeitura. (1902-1906) a capital da Republica passou por Em poucos anos, Rio de Janeiro ganhou nova fisionomia, de uma profunda reforma e acordo com os modernos padrões sanitários e arquitetônicos que ria, comandada pelo prefeito da cidade, enge- caracterizavam as principais européias e norte-ameri- nheiro Pereira Passos, por Oswaldo Cruz, canas. Como reflexo dessas transformações, diminuíram os óbitos diretor-geral do Departamento Nacional de por doenças epidêmicas no espaço carioca. Já se dizia até que o Saúde Pública. Rio de Janeiro, finalmente, 25 24

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São Paulo mortes devidas à gripe, mas fala-se em mais de quinhentas mil. A A cidade de São Paulo, que então ocupava segundo lugar situação só não foi pior porque o próprio povo se solidarizou, entre as maiores cidades brasileiras, também passou por proces- criando hospitais de emergência e cozinhas populares que distri- so semelhante, diferenciando-se da capital federal apenas pelo alimentação gratuita aos mais carentes. fato de sua transformação ter ocorrido de maneira mais gradual. Por vezes, descaso ou a arrogância das autoridades provoca- Também houve a demolição de inúmeros prédios do periodo colo- ram respostas violentas, como a Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro em nial, abriram-se novas ruas e foram inaugurados e cas. Apesar de o estado sanitário paulista não ser tão grave quan- A Revolta da Vacina to carioca, os rios que cortam centro da cidade foram retifica- dos para diminuir alcance das enchentes e muitos pântanos A crescente intervenção médica nos espaços urbanos foi rece- foram drenados para o bem da saúde pública. bida com desconfiança e medo pela A retirada à força da população dos ambientes a serem saneados foi constantemente Ricos e pobres acompanhada pela vigilância policial, pois temia-se que povo se Tais medidas, em maior ou menor escala, foram reproduzidas em revoltasse, agredindo os agentes Além disso, muitas Indice de outras capitais estaduais e nas principais cidades do interior, dimi- vezes a policia agia com violência sem motivo, reproduzindo as morbidade nuindo em escala nacional os índices de mortalidade e a de formas repressoras comumente empregadas pelo regime determinada por doenças que vitimaram as populações urbanas por séculos. contra os protestos coletivos, como passeatas e greves. doença na Nesse contexto, as transformações urbanisticas e sanitárias que Charrando de A situação mais tensa no processo de modernização das cidades de ocorreram no país surtiram um efeito positivo na higiene pública, ocorreu no ano de 1904, na cidade do Rio de Desde o ini- existentes e mas foram as elites econômicas que mais se beneficiaram: não só certa cio do ano, Oswaldo Cruz vinha forçando o Congresso Nacional a em receberam, nos bairros onde moravam, equipamentos urbanos como e de y aprovar uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra a vario- água encanada, esgotos subterrâneos e serviços de luz elétrica, população área la. povo, assustado, reagiu contra o programa de vacinação em no do como também garantiram, nas áreas de indústria e comércio, con- de morbidade à massa não só porque nunca tinha passado por um processo seme- dições mini mamente saudáveis para a estabilidade e a eficiência seguinte lhante, mas também por desconhecer a composição e qualidade do das atividades produtivas. material empregado na imunização. Muitos ainda achavam indeco- As camadas mais pobres da população, ao contrário, continua- roso o fato de as moças terem de levantar a manga da blusa para um ram a ter condições de vida. Ao proteger bem-estar dos desconhecido encarregado da aplicação da vacina. ricos, a política de saúde relegava a segundo plano o restante da Aproveitando o clamor popular, grupos políticos de oposição que continuava a viver em cortiços e a ser a maior passaram a engrossar as criticas contra o Estado e sua ação ma de enfermidades que se tornavam raras entre os grupos mais Defensores da restauração monarquica, militares positivistas e até médicos homeopatas, contrários ao uso de vacinas, uniram-se Apesar das promessas de proteger a saúde de todos os grupos à movimentação do povo, tentando obstruir as discussões parla- sociais, em momentos epidêmicos ficava evidente que os cidadãos mentares sobre a imunização mais pobres pouco podiam contar com a ajuda oficial. Em 1918, No dia 31 de outubro de 1904, finalmente, a lei que estabelecia quando uma violenta epidemia a gripe espanhola se abateu a obrigatoriedade da vacina foi aprovada pelo Congresso Nacional sobre todo o mundo, no Brasil um grande número de politicos e A agitação nas ruas ganhou intensidade maior, ninguém mais médicos fugiu dos centros urbanos, deixando a população traba- querendo se submeter ao de nome dado zom- Ihadora entregue à própria sorte. Não se sabe o número preciso de beteiramente ao conjunto de medidas sanitárias aplicadas aos 26 27

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habitantes do Rio de Janeiro. Cinco dias depois, foi fundada a Liga Assustados com as dimensões da revolta e com a possibilidade Contra a Vacina Obrigatória, tendo à sua frente os Lauro de serem presos, os lideres da Liga Contra a Vacina fugiram da Sodré, Barbosa Lima e Vicente de Souza. A liga passou a promo- cidade, não se importando com povo nem com a promessa que ver reuniões populares diárias, afirmando que a lei de 31 de outu- haviam feito de apoiar o movimento com dinheiro, armas e Enquanto isso, bairro da reduto da gente pobre cario- bro era ca, tornou-se a fortaleza dos revoltosos e o centro dos confrontos Insurêência popular com a Porto Artur, como ficou popularmente conheci- Em 10 de novembro começaram os confrontos entre populares do bairro, lembrando a guerra russo-japonesa que então ocorria, ofereceu forte resistência às investidas legalistas, usando no com- e policiais, dando inicio à revolta. A de protestos obri- bate enorme quantidade de dinamite. gou comércio a cerrar as portas e a a recuar momenta- A resistência popular, ali comandada por um negro apelidado povo dominou as áreas centrais da cidade, gritando Prata Preta, atraiu a atenção das forças governamentais, que con- "Viva" para a parte do Exército que o apoiava e "Morra" para a centraram o seu poder de ataque no local. A área chegou a ser bom- legalista. bardeada por um navio de guerra. A evidente diferença entre as for- A morte de um dos revoltosos pelas forças repressoras serviu ças em conflito liquidou a revolta. No final do dia 16, o bairro da para colocar os protestos em outro plano. Logo a população come- a tombar e incendiar os bondes da Companhia do Jardim Saúde foi ocupado por forças da policia e do A prisão dos populares colocou ponto final na Revolta da Enquanto isso, os militares que apoiavam os revoltosos tentaram tomar a sede do governo e o presidente Rodrigues Impressionado e desgastado com os acontecimentos, governo revogou a obrigatoriedade da vacina, tornando-a opcional para Alves, mas todos os cidadãos. Definida como mais indomável movimento Nos dias seguintes, o conflito foi além das ruas do centro, espa- por todo Rio de Janeiro. Vários manifestantes foram popular ocorrido no Rio de Janeiro", a revolta exigiu que o Estado e a medicina buscassem outras formas de relacionamento com a mortos à bala, inclusive uma Os acontecimentos alteraram sociedade, testando nos anos seguintes novas formas de organiza- as caracteristicas da revolta de 1904. Aos poucos 3 ira popular vol- ção das ações em favor da saúde coletiva. tou-se contra presidente Rodrigues Alves. Ele e Oswaldo Cruz pas- saram a ser acusados de serem os únicos responsáveis pelo motim. do barricada no de Forto principal de rebeldes as do 29 28

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Nova ordem na saúde 3 A nova organização do setor de saúde anunciava compromisso do Estado de zelar pelo bem-estar sanitário da população. Tal pro- Tracoma A saúde pública na era Vargas (1930-1945) messa foi recebida de modos diferentes pelas lideranças Doença Nas áreas onde havia pouca ou nenhuma assistência causada um médico-hospitalar, essa proposta foi naturalmente bem aceita: microrganismo do na Presidência da pela esperava-se que as vilas e cidades mais carentes atraissem a aten- que a Revolução de 1930, Getúlio Vargas procurou de imediato livrar o ção do governo federal e recebessem postos médicos e até mesmo conjuntiva Estado do controle político das oligarquias regionais. Para atingir Nos estados mais ricos, que já possuiam serviços de levar à perda parcial saúde organizados, a intervenção federal foi considerada desne- ou total da esse objetivo, promoveu uma ampla reforma e administra- tiva, afastando da administração pública os principais da cessária e centralizadora, mais dificultando que ajudando a melho- no interior do Brasil Velha. presidente suspendeu a vigência da Constituição rar atendimento à população. de 1891 e passou a governar por decretos até 1934, quando o Con- gresso Constituinte aprovou a nova o compromisso do Estado com a saúde As dificuldades encontradas para governar democraticamente a de Para Estado Antonio Pacheco e Silva nação levaram presidente Vargas a promover uma acirrada perse- em assistir 0 necessitado até que deverá criar organizações Direito guição policial a seus opositores e aos principais lideres sindicais tenha as condi- cas, dotadas de pessoal São Paulo, 1934 56 do especialmente a partir de 1937, quando foi instituída a que he as name prestar a assistência médico paulista, deputado ditadura do Estado Durante todo o seu governo que durou ocupações ganhar 0 não se individual constituinte de 1934 até Vargas buscou centralizar a máquina governamental e também bloquear as reivindicações sociais. Para isso recorreu a Isso ocorreu especialmente em São Paulo, onde já existia fa- medidas pelas quais o Estado se apresentava como pai, culdade de medicina (outra seria inaugurada em 1933) e vários como tutor da sociedade, provendo o que julgava ser indispensável institutos de pesquisa médica. A atenção e as verbas despendidas ao cidadão. As sociais foram a arma utilizada pelo dita- pelo governo estadual desde o início da permitiram Ancilostomose dor para justificar diante da sociedade sistema autoritário, ate- constituir, já em meados da década de 20, um sistema de saúde Doença nuado pela "bondade" do presidente. conhecida pública descentralizado e ajustado às questões sanitárias próprias popularmente por de bichas 00 A institucionalização da saúde pública de cada região do Nesse sistema, criado pelo higienista Geraldo de Paula Souza, os centros de saúde atendiam e orienta- por Ancylostoma Incluída no conjunto das reformas realizadas por Vargas desde vam enfermos, além de funcionarem também como porta de entra- outubro de 1930, a área sanitária passou a compartilhar com o setor 0 desenvolvimento Populismo da para internamento hospitalar. educacional um ministério próprio, o Ministério da Educação e da parasitas no As reformas varguistas em São Paulo simplesmente decretaram humano Saúde Instalado em novembro de 1930, teve como primei- ao Estado provoca anemia de árbitro dos fim dessa experiência Em lugar do atendi- por ro titular o advogado Francisco Luis da Silva conflitos sociais, mento ágil e voltado para a população, os interventores sanitários numerosas novo ministério determinou uma ampla remodelação dos ser- preservando as nas relações de optaram pela organização centralizada dos serviços. Estes foram toxinas viços sanitários do país. Com isso pretendia-se, na verdade, garan- dominação de orientados para tratamento de enfermidades como que tir à burocracia federal o controle desses serviços, numa estra- apesar de algumas concessões a lepra e a sem contudo atender às suas tégia decorrente do centralismo politico-administrativo imposto feitas aos grupos populares necessidades impostas pelas demais que atingiam a por Getúlio Vargas. 31 30

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região, como a tuberculose e as doenças da Foram deixa- que os operários acidentados ou com a saúde abalada procurassem dos em segundo plano também o acompanhamento e a orientação socorro nos hospitais que nada cobravam pelo trata- mento de pacientes pobres. das mulheres grávidas. Essa situação reproduziu-se em escala menor em todos os esta- A única exceção, no anterior a 1930, foi o instituto pre- dos da federação. Os médicos foram praticamente excluídos das videnciário dos trabalhadores das estradas de ferro sediadas em decisões sanitárias, que passaram a ser tomadas por políticos e São Paulo, criado em 1923 através da aprovação da Lei Elói burocratas que, em muitos casos, pouco conheciam sobre pro- Mediante o desconto mensal de 3% do salário dos funcio- blemas de saúde e conceitos epidemiológicos. Qualquer ou nários e 1% da renda bruta das empresas, ficava assegurado aos oposição era mal recebida pelas autoridades, que acusavam de ferroviários direito de aposentadoria por tempo de serviço ou "tendência comunista" os clínicos que se opunham ao programa por invalidez, o tratamento médico e os medicamentos, auxílio higienista montado pelos assessores do presidente. Código para o funeral e ainda o direito de pensão aos herdeiros do segu- o medo de cair em desgraça perante o regime autoritário obri- rado falecido. gava a comunidade médica a se calar. Intimidados, os médicos Conjunto de principios organizados o modelo oferecido pela Lei Elói Chaves foi parcialmente ado- concentraram-se na defesa e na expansão dos privilégios que bene- tado por Getúlio Vargas, que na década de 30 aplicou a várias que definem a ficiavam a própria categoria, como a criação de um código deon- isto categorias profissionais. Organizaram-se então as caixas de apo- tologico* o Código de Moral Médica - que refletia os valores e 08 deveres e sentadoria e pensões e os institutos de previdência. Sob a tutela do e sociais do momento. Um dos artigos, por exemplo, con- em relação Estado, esses órgãos garantiram assistência médica a uma vasta denava todos aqueles que criticassem os clínicos que, aplicando de parcela da população urbana, sem gastar nenhuma verba da admi- um tratamento, cometessem "algum erro involuntário de graves geral. nistração federal. incluindo até mesmo a morte do paciente. No entanto, as caixas apresentavam serviço irregular, oferecen- do pouca cobertura-aos doentes mais graves. Os operários tuber- Getúlio, o pai dos pobres culosos, por exemplo, enfrentavam muita dificuldade para receber Depois do golpe que criou o Estado Novo em 1937, a política assistência: o tratamento era longo e exigia que o doente ficasse populista e autoritária do presidente Vargas voltou-se ainda mais internado em sanatórios localizados nas regiões montanhosas, para a população urbana, empregada nos setores industrial e comer- a ficar longe do trabalho e da Por isso, os cial. A necessidade de obter apoio social e e conferir algu- institutos previdenciários criaram uma legislação própria para os ma legitimidade ao Estado ditatorial exigiu uma legislação social tuberculosos. doente devia optar entre receber uma parte do que garantisse maiores direitos aos trabalhadores Afinal, salário e tratar da por conta própria, ou submeter-se ao iso- já não era possível que governo tratasse a chamada questão lamento sanatorial, abrindo mão de qualquer ajuda social, na qual se os reclamos populares referentes à Nenhuma das alternativas garantia apoio necessário aos traba- saúde, como uma simples questão de como aconteceu no com decorrer de toda a Velha. A situação tornava-se ainda mais trágica para o operário que não Caixas e institutos tinha carteira de trabalho e que por isso não podia contribuir para a caixa de sua categoria profissional. Para esse trabalhador, restava o A Velha havia criado um emaranhado de leis que, contradizendo umas às outras, pouco garantiam aos trabalhadores apelo à caridade pública. Era qualificado pela administração dos quanto ao direito de assistência médica e indenização em dinheiro hospitais filantrópicos como indigente, triste rótulo para quem per- dera a saúde e não tinha dinheiro para pagar o por enfermidade ou por acidente de trabalho. Com isso, a regra era 33 32

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Legislação trabalhista mensagens higienistas passaram a ser divulgadas pelas emissoras De qualquer forma, a atuação do governo de Vargas no campo de rádio existentes em todos os estados. Ganharam impulso tam- da saúde dos trabalhadores representou um avanço em relação ao os cursos de formação de enfermeiras sanitárias, que tinham anterior. Graças à nova legislação, que possibilitava a a missão de percorrer os bairros mais carentes, ensinando aos assistência médica a muitos que antes eram completamente desam- moradores as regras básicas de higiene e encaminhando os doentes parados, o presidente ganhou a estima popular, sendo chamado mais graves para os hospitais públicos ou pelo povo de "pai dos pobres" mesmo que muitos brasileiros, no A partir da instalação do Estado Novo, a administração sanitária campo na cidade, continuassem sem garantias legais de acesso buscou reforçar as campanhas de educação popular, criando servi- aos serviços de especiais para a educação em Unindo modernas técnicas A Constituição de 1934 incorporou algumas garantias ao opera- pedagógicas e de comunicação com os princípios da medicina sani- riado, tais como a assistência médica, a licença remunerada à ges- tária, os funcionários deste setor elaboraram cartazes e folhetos que tante trabalhadora e a jornada de trabalho de oito horas. Nos anos chamavam a atenção pelas ilustrações coloridas. Elas podiam ser seguintes, outros beneficios, como salário mínimo, foram entendidas mesmo pelas pessoas que não sabiam ler. dos na legislação trabalhista, culminando com estabelecimento em 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pela CLT, QUE SE DEVE SABER SOBRE tornavam-se definitivamente pagamento do salário a indenização aos acidentados, tratamento médico aos ALCOOLISMO doentes, o pagamento de horas extras, as férias remuneradas, etc. a todos os operários portadores de carteira de trabalho. Graças à politica de saúde adotada por Vargas, atendimento aos operários enfermos e seus dependentes expandiu-se. Começou a estruturar-se assim setor previdenciário que, garantido por uma legislação foi ampliado no decorrer dos anos, tornando- se principal canal de assistência médica da população trabalhadora dos centros DEPARTAMENTO DE A educação em saúde SECCAO DE PROPAGANDA E EDUCAÇÃO Ainda nos primeiros anos da iniciou-se um movi- mento de educação na área da Seu objetivo era convencer a Folheto de educação do população da necessidade de mudar hábitos tradicionais Departamento de Saúde do Estado nicos, que facilitavam a disseminação de doenças, principalmente de década de 40 as de caráter Um dos recursos usados era a divulgação de cartazes e panfle- Educação e propaganda tos elaborados pelo Ministério da Educação e Saúde e pelos servi- Muitos conselhos sanitários levados à população apoiavam-se ainda nos princípios eugênicos difundidos desde a No entanto, grande parte dos brasileiros continuava analfabeta, De acordo com esses a qualidade racial dos brasileiros sem poder beneficiar-se desse material. Por isso, desde 1938 as era um dos principais motivos das moléstias e da miséria do 34 35

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então, houve uma imediata alteração do teor dos conselhos sanitá- Racismo e saúde Eles passaram a adotar povo norte-americano como mode- Vemos papel importantissimo do raça com do do nam mais males lo, inclusive no setor da saúde pública. Os educadores brasileiros elemento influindo sangue para a queda lepra, divulgavam a organização dos serviços médicos e os hábitos da redução dos que nos nascidas no Oriente que resul- mestiços Este fator poderão perventura tam 00 despesa população norte-americana como garantia de bem-estar fisico e de arianização concorre em qualidade para nossa Começaram a fazer propaganda das qualidades nutritivas contribuição para 0 que raça branca do do iogurte e de vários outros produtos elaborados para aumento do contingen- to branco puro, mas cam Absolutamente do Aliança Saúde por empresas sediadas na do Norte. concorre para a da as japoneses trazem e imigração 1939 A "sociedade dos homens doentes" Fascismo tipo proposto e Durante a era Vargas houve uma diminuição das mortes para # papulação da revista A MEDICINA GERMANICA por enfermidades epidêmicas, principalmente nos grandes centros de criação de um urbanos do Sudeste e do Sul do país. Por outro lado, cresceram as fevereiro de publicada regime ditatorial Rio de chamadas doenças de massa (que atingem milhares, até milhões de baseado pessoas). Estabeleceu-se assim um quadro marcado por várias supremacia do Estado doenças endêmicas, entre elas a esquistossomose", a doença de mose Chagas, a tuberculose, as doenças gastrointestinais, as doenças regime na sexualmente transmissíveis e a parasita 1922 intestinal do Apesar da expansão da cobertura médico-hospitalar aos traba- Ariano Ihadores urbanos e das novas técnicas no controle das endemias ligado que Nome dado parte da rurais (através de um convênio firmado com a Fundação Rockefeller, de branca da norte-americana), Brasil permanecia como um dos países mais 0 passa a de da Alemanha da enfermos do continente. pela causada superior a Doenças velhas Em 1942, o Charles Morrow Wilson, funcionário De inspiração fascista* racista, os conselhos sanitários mescla- do governo norte-americano, foi encarregado de avaliar as condi- vam ensinamentos higiênicos com textos nos quais a Alemanha era Nazismo ções sanitárias dos países da especialista con- Movimento apresentada como uma nação desenvolvida porque era formada cluiu que as principais doenças aqui existentes já haviam sido con- que levou sobretudo por uma "raça pura", composta de arianos* numa sutil an troladas nos Estados Unidos, várias décadas antes. Entre as causas apologia ao regime Eram frequentes ainda as mensagens de óbitos na Latina persistiam as infecto-conta- 1933 A que afirmavam ser o Brasil um atrasado devido à inferioridade é mistura giosas e as parasitárias; nos Estados Unidos já predominavam as de e racial de boa parte de seus habitantes incluindo ai os "imigran- mortes pelas "enfermidades modernas", tais como as doenças car- tes indesejáveis", pois "biologicamente fracos", vindos do da díacas e superioridade da Muitos profissionais da saúde assumiram essa perspectiva até o raça As péssimas condições de saúde dos brasileiros ganharam outro inicio de 1942, quando, pressionado pelos Estados Unidos, Vargas por destaque no mesmo Em 1942, o Exército convocou cerca de Adolf juntou-se aos Aliados na Segunda Guerra declarando escrito cem mil homens adultos para, mediante rigoroso exame e men- am guerra às forças do Eixo Alemanha, e A partir de tal, selecionar os pracinhas que formariam a Força Expedicionária 37 36

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o tuberculoso como agitador social 4 é reclama estabelecimentos médicos seu pes- tal para não se que deve ser técnico são desta mentalida- saber se tal não mais um assistido Nos indigentes de Um de todo 0 dia é que recuperável consciente dos A democratização e a saúde (1945-1964) de baixo social, as coi- passo citar que esta seus deveres sas a estas dade doente deseja it para SB agregam situações de um hospital M de Paula A vitória dos Estados Unidos e dos Aliados É mente usa 0 seguinte de na Segunda Guerra Mundial teve intensa repercussão no ca de vista fatos, se à do palácio do governo 1944 médica Grandes manifestações populares contra a ditadura acabaram resul- frequentemente criam embaraços à converte dos nossos era professor da administração As estabelecimentos no perio- de Medicina do Rio de Janeiro alto tando, em outubro de 1945, na deposição de Getúlio Vargas e, no cartas reclamações pela do final (da vidai de funcionário do da Educação ano seguinte, na elaboração de uma Constituição de as campanbas as exigem de inspiração liberal. A partir de então e até 1964, Brasil viveu a fase conhecida como periodo de marcado pelas Brasileira, para lutar na Europa. Os exames médicos indica- eleições diretas para os principais cargos políticos, pelo pluripar- ram que a maior parte dos recrutas estava com a saúde comprome- tidarismo e pela liberdade de atuação da imprensa, das agremia- tida, tornando impossível seu aproveitamento nas tarefas impostas ções politicas e dos sindicatos. pela participação do Brasil na guerra. Mesmo sob regime a populista inaugurada Essas informações foram amplamente divulgadas pela imprensa por Vargas foi mantida. Os presidentes da República continuaram a da época. Mesmo assim, investimento oficial no setor da saúde buscar o apoio popular com medidas demagógicas, destinadas mais pública e no tratamento dos enfermos continuou a ser muito peque- a firmar sua imagem como "pais do povo" do que a resolver de fato no em relação à demanda. Por isso, tornaram-se comuns as criticas os grandes problemas da Os movimentos sociais, por sua ao governo pela falta de hospitais. A ditadura de Vargas chamava os vez, exigiam que os governantes cumprissem as promessas de melho- participantes dos protestos de agitadores e subversivos, acusando- rar as condições de vida, de saúde e de trabalho. os de tentarem desestabilizar a administração getulista. Neste contexto, a década de 50 foi marcada por manifestações mais grave, porém, era o fato de os enfermos serem apresen- nacionalistas, que procuravam firmar o como potência capaz tados como da sociedade: além de deixarem de trabalhar e de alcançar seu próprio desenvolvimento econômico, independen- Imperialismo de produzir riqueza para a nação, ainda exigiam assistência médi- te das pressões internacionais e especialmente do Expressão usada para Ao mesmo tempo, houve um forte crescimento caracterizar as ca e tratamento gratuitos, tornando-se uma estranha espécie de ini- de da entrada de capital estrangeiro na economia nacional, favorecen- migos do país. Apesar de o presidente o "pai dos pobres" declarar que cabia ao Estado preservar a saúde da na do a proposta isto é, de modernização grandes potências mica e institucional coordenada pelo Estado. Essa politica teve países prática isso acontecia Muitos brasileiros enfermos como principal personagem o presidente Juscelino Kubitschek, continuavam a morrer sem receber a ajuda médica que governou país de 1956 a 1961. A criação do Ministério da Saúde Desde que assumiu o governo, em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra estabeleceu como prioridade a organização racional dos serviços públicos. Mas a ineficiência burocrática herdada do 39 38

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anterior e as disputas entre os diferentes grupos políticos saúde de fato eficiente. Quando esboçava medidas mais importan- emperraram as reformas desejadas pelo governo e exigidas pela tes, acabava criando serviços que se sobrepunham uns aos outros, sociedade. plano Salte (elaborado em 1948), que tinha por obje- complicando ainda mais a burocracia. Com isso, aumentavam os tivo a melhoria dos sistemas de saúde, alimentação, transporte e gastos com o pagamento de funcionários e diminuiam as verbas energia, não chegou a ser totalmente posto em prática. Por isso, os para o saneamento do meio e a assistência aos doentes. jornais denunciavam que no setor de saúde tudo continuava como no tempo da ditadura. No interior Em maio de já no segundo periodo presidencial de Getúlio Nos primeiros anos de atuação, Ministério da Saúde incum- Vargas, foi criado Ministério da Saúde resultado de sete anos de biu-se de combater as doenças que atingiam sobretudo a população A nova pasta contou com verbas irrisórias no decorrer da do interior, como a doença de Chagas, a malária, o tracoma e a década de 50, confirmando descaso das autoridades para com a Tentou ainda promover a educação sanitária da saúde do povo. população rural. Em 1956 foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais. Esse órgão, assim como todo Ministério da VERBAS PARA A SAÚDE PUBLICA Saúde, procurou adotar um sistema administrativo dinâmico e prá- NA DÉCADA DE 50 tico anteriormente experimentado: na década de 40, técnicos norte- % do PIB gasto com a % Mortalidade americanos montaram o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), País saúde geral para sanear as regiões de exploração da borracha amazônica e Vale do Rio Doce. Estados Unidos 4,5 9,3 Apesar das deficiências e da escassez de verbas, entre 1958 e Grä-Bretanha 3,5 11,7 1965 foram organizadas três campanhas nacionais contra a malá- Baixos 3,3 7,6 ria. Embora a propaganda oficial afirmasse que essa doença esta- Noruega 3,0 8,5 va prestes a ser erradicada graças à eficiência das campanhas sani- Japão 3,0 7,8 tárias, na verdade houve apenas uma pequena redução do número Suiça 3,0 10,1 de enfermos. Tal situação levou a Organização Pan-Americana de França 2,8 12,2 Saúde (Opas) órgão regional da Organização Mundial da Saúde Suécia 2,2 9,5 a participar diretamente do combate à malária no Brasil, a par- Brasil* 1,2 13,2 tir da década de 70. (*) Carlos Braga Goes de Clientelismo A falta de dinheiro impedia que Estado atuasse com eficácia Além das dificuldades técnicas e operacionais do Ministério da na péssima situação da saúde coletiva: faltavam funcionários espe- Saúde, outro fenômeno que interferia na oficial de saúde cializados, equipamentos apropriados, postos de atendimento e, era o clientelismo: os partidos ou os políticos trocavam sobretudo, faltava ânimo aos servidores. Em ambulâncias, leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas Ministério da Saúde atuou de maneira pouco eficiente na redução muitas vezes em números bem superiores à demanda de uma dos índices de mortalidade e morbidade das doenças que inutiliza- região por votos e apoio nas épocas eleitorais. Ao mesmo vam para o trabalho e para a vida muitos brasileiros. tempo, outras áreas permaneciam totalmente sem assistência médico- ministério falhou principalmente porque em nenhum momen- sanitária. Com esse tipo de interferência importantes to patrocinou reformas fundamentais ou organizou uma politica de projetos de saneamento eram interrompidos, além de ser constan- 41 40

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te a substituição dos ministros da Saúde. Nas duas primeiras déca- Pressão sindical das de atuação, essa pasta teve 19 titulares. Desde final da década de 40, a movimentação dos sindicatos A combinação de todos esses fatores condenou o Brasil a per- forçou governo a rever a legislação Ampliou-se manecer como uma das nações mais doentes do Apesar da continuamente o número de trabalhadores e seus dependentes com diminuição de casos de doenças infecto-contagiosas parasitárias, direito ao tratamento de saúde financiado pelos institutos e na maior parte do território nacional a mortalidade estava muito Aumentaram ainda os salários e as pensões pagas aos acima dos dos desenvolvidos. afastados temporariamente do trabalho por motivo de doença. Cresceu também o número de aposentados por tempo de serviço. Em 1945 existiam cerca de dois milhões de pessoas vinculadas aos institutos previdenciários. Duas décadas depois, esse número chegava a quase oito milhões de trabalhadores, sem contar os Com a sucessão de leis federais que garantiam o adquiridas atendimento de saúde dos segurados, as caixas e os institutos para foram forçados a aumentar a porcentagem destinada ao pagamen- de Paulo, to de tratamentos médicos: inicialmente esse era de apenas Na 5% da arrecadação anual, mas foi se elevando até representar cerca de aquisições medidas metade do dinheiro arrecadado por ano. o aumento da quantidade de segurados combinava-se com as quase sempre precárias adminis- de trações dos órgãos previdenciários. Pressionada pelas leis, a Previdência assumiu a prestação de Segundo o médico Mário Pinotti, que ocupou a direção do assistência médico-hospitalar aos trabalhadores, à custa do rebai- Ministério da Saúde no final da década de 50, naquele período a xamento da qualidade dos serviços. Tornaram-se comuns as longas esperança média de vida de um brasileiro era de 51 anos em Porto filas de enfermos nas portas dos hospitais, as consultas médicas Alegre, 49 em Belém e 37 em Recife. Tais eram semelhan- que duravam poucos minutos, a dificuldade de obter internamento tes aos da população da Suécia em meados do século XIX, antes, imediato para os pacientes em estado mais E não foram portanto, do desenvolvimento das práticas de prevenção e comba- raras as mortes de trabalhadores por falta de atendimento de emer- te às No interior a situação era ainda pior: calculava-se gência que o habitante do sertão nordestino viveria em torno de trinta anos média de vida da população européia no momento mais crítico Saúde pública e medicina privada da Idade Diante desses fatos, o setor privado da medicina começou a pressionar o governo federal e os governos estaduais a restringir ou atendimento médico aos trabalhadores mesmo interromper os planos de construção de hospitais urbanos Como acontecia com o setor de educação no mesmo periodo, os proprietários de casas de saúde defendiam a posição de que o As áreas rurais ficavam sob a responsabilidade quase exclusiva Estado não deveria competir com a medicina privada: deveria fazer do Ministério da As regiões industriais e densamente povoa- doações e empréstimos a juros baixos para que os empresários das eram atendidas principalmente pelos hospitais e clínicas pró- criassem uma grande rede de hospitais. Essa rede vende- prios ou conveniados com os institutos de pensões e aposentado- ria seus serviços à aos institutos de aposentadoria e rias, mantidos pelos trabalhadores e seus pensões e ao próprio governo. 42 43

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Mais uma vez, o setor politico interveio nos debates, aprovando leis que garantiam privilégios para os grupos privados prestadores de serviços médico-hospitalares. Muitas verbas oficiais destinadas a essa área iam para deputados que também eram sócios de cas e hospitais. Eram eles, bem mais do que a população, os bene- ficiados pelas verbas No Maranhão, por exemplo, em 1960 uma família de e latifundiários era proprietária de oito hospitais, que atendiam exclusivamente os doentes que pudes- sem pagar pela assistência médica. E essa rede de hospitais era financiada por federais, que nunca chegaram a ser devolvidos ao As dificuldades de gerenciamento dos institutos e o volume de queixas de trabalhadores levou o Estado a tentar reorganizar as administrações e os serviços oferecidos pelas agências previden- ciárias. Em visando aperfeiçoar sistema, governo federal sancionou a Lei Orgânica da Previdência Social (Lops). A principal medida estabelecida pela Lops foi a uniformização A como da politica governa- das contribuições a serem pagas pelos trabalhadores para o insti- mental de saide da revista de 1960 tuto a que estivessem Antes dessa lei, cada órgão tinha autonomia para cobrar um percentual diferente dos demais. Com Diante dessa questão, o Ministério da Saúde foi incumbido, em a nova legislação todos os segurados passaram a contribuir com 1956, de desenvolver um novo e eficiente programa voltado para 8% de seu salário para a Previdência; os empregadores e o gover- a assistência crianças. Multiplicaram-se os serviços de higiene no federal pagariam idêntico valor. Tal medida, no entanto, não infantil os postos de puericultura, que em suas ativida- garantiu financeiro a melhoria dos serviços presta- des não só o acompanhamento e a vacinação e o tratamento das dos pelos institutos. crianças doentes, mas também a assistência às mães. Apesar disso, até meados da década de 60 pouco foi feito para Cuidar das crianças: objetivo a expansão dos sistemas de saneamento básico. A maior parte da governamental população, principalmente a dos estados mais pobres, continuou a precário atendimento à era outra marca visível da consumir águas poluídas. Era essa a maior causa das mortes de situação da saúde no país, em contraste com a euforia crianças, principalmente por infecções do aparelho digestivo, desenvolvimentista dos anos 50 e 60. indice de mortalidade como a gastrenterite, inflamação que ataca simultaneamente o infantil era altissimo, principalmente nas capitais, que haviam estômago e intestino. crescido rapidamente com rural a partir de 1945. Esse A interferência e as práticas clientelistas, sobretudo nas índice dado pelo número de mortes de crianças com menos de áreas rurais, novamente retardaram ou mesmo impediram as ações um ano de vida ultrapassava até mesmo as taxas da India, do sanitárias em favor da saúde infantil. Longe de ser assumido como Peru e de El Salvador. Era a terrivel do desconheci- um compromisso do Estado, a assistência às crianças era tida mento das regras básicas de higiene e sobretudo da ausência de sis- como um ato de bondade dos do qual se podiam tirar temas de tratamento distribuição de água e coleta de esgoto. boas vantagens 44 45

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MORTALIDADE INFANTIL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS fome, tema do qual se tornara especialista de renome EM 1955 Como deputado federal no período de 1955 a 1963, ele dizia que Estado não devia simplesmente doar comida à população carente; Mortalidade infantil devia assegurar condições de trabalho e salário que permitissem a (por nascidos vivos) todo brasileiro garantir a própria alimentação e a da Devida- Natal 421,6 mente nutrida, a população criaria resistência contra muitas das Salvador 353,5 enfermidades, que matavam e inutilizavam para trabalho. Teresina 325,3 As ao governo ganharam maior intensidade a partir de Aracaju 1955, com a criação no Nordeste das Ligas Camponesas, lideradas Belém 263,6 por Francisco Julião. Com objetivo de lutar pela melhoria das São Luis 209,1 Recife 204,1 condições de vida do povo, essa organização assumiu a bandeira João Pessoa 201,1 da luta contra a fome, a doença e a exploração imposta pelos lati- Curitiba 143,3 fundiários da região. De todos os pontos do país surgiram mani- Vitória 118,1 festações de apoio às palavras de Josué de Castro e Francisco Florianópolis 113,3 Nordeste tornou-se foco da atenção mundial, e seus pro- Cidade do Rio de Janeiro blemas foram divulgados insistentemente pela imprensa. (na época, Distrito Federal) 112,2 Manaus 109,6 Cuiabá 104,5 Francisco Julião e a fome Belo Horizonte 101,3 paz Ea das cidades, eles que asso do seu carpo vida Porto Alegre 100,9 sei bem essa paz pela Essa paz é feita do de vida parque levantou Niterói 96,9 mesmo ódio que dedico à que a mother dia a contra 0 ou aumen- São Paulo 86,5 ao atraso, à miséria ao com contas to do 0 exagero da vara (*) Não existem dados para as capitais De que é feita essa paz? Essa paz que the saem dos diante vale do autras formas feita do de de da procissão macabra dos seus de espoliação do seu de se agasalharem de mãos A politização da saúde nhas higiênicas, com 0 tecido que a sem piedade, cai- Fonte: "Carta de Francisco Julião 0 leite Essa paz do do dom Aguiar, bispo de Tal como a mortalidade infantil, a fome assolava a maior parte vio pelos caminhos expulso pelo capanga, pela Barreto, dos brasileiros, tornando-os presa fácil das enfermidades e da das, estendidos até justiça do pedaço de de morte. Esse foi assumido por vários intelectuais brasileiros, em busca dos cemitérios das chão onde e que é came, Civilização 1963 que passaram a situar a saúde e a doença como fenômenos depen- dentes do grau de nutrição da população. Ao governo caberia, mais A face miserável do Brasil chocava os europeus, entusiasmados do que tratar dos doentes, garantir a alimentação necessária para com projeto de modernização Apesar disso, a maior todo o povo. parte das lideranças brasileiras continuou incapaz de con- viver com os compromissos democráticos, como sempre ocorrera Contra a miséria e a fome ao longo da do A violência era a arma comumente A fome, entre outras ramificações da miséria e da exploração, tor- empregada para conter os protestos comandados pelas Ligas Campo- nou-se assunto de interesse médico pernambucano Josué nesas, ainda mais porque essa organização defendia a reforma de Castro foi um dos principais incentivadores dos debates sobre a agrária e os ideais comunistas. 46 47

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Medicina e política Foi nesse quadro agitado que se definiu a politização da atividade 5 de médicos e exercício da medicina deixou de ser entendido apenas como utilização de técnicas voltadas para melhorar a saúde da população, sem qualquer relação com os inte- A saúde no regime militar de 1964 resses das classes sociais. Em vez disso, a medicina passou a ser interpretada como uma social capacitada para lutar, através No dia 31 de março de 1964, um golpe de dos canais pelo bem-estar coletivo. Os médicos deveriam cobrar das autoridades decisões e verbas que beneficiassem sobre- Estado liderado pelos chefes das Forças Armadas colocou fim à Reformas tudo as camadas sociais mais pobres. agonizante democracia populista. Sob pretexto de combater o de Base A convergência de interesses da comunidade médica e dos Programa de avanço do comunismo c da corrupção e garantir a segurança nacio- alterações movimentos populares levou as questões sanitárias a ocuparem nal, os militares impuseram ao pais um regime ditatorial e puniram papel importante nas reivindicações dos trabalhadores urbanos e todos os indivíduos e instituições que se mostraram contrários ao Congresso Nacional e rurais. o presidente João Goulart, comprometido com programa que vinava remodelar movimento autoproclamado Revolução de 64. de Reformas de encontrava dificuldades em atender as Classificados como agentes do comunismo internacional, reclamações do povo e ao mesmo tempo garantir apoio dos gru- bancário foram perseguidos muitos políticos, estudantis, sindicais e assim pos de latifundiários e industriais que lucravam com a miséria que como promover religiosos, que lutavam pela melhoria das condições da saúde do assolava boa parte dos brasileiros. Este foi um dos impasses que reforma agrária povo. Entre eles estavam de Castro e Francisco Julião, que a pobreza colaboraram para a ocorrência de um novo período ditatorial na tiveram seus direitos cassados. história brasileira. o regime dos generais presidentes No ano seguinte ao golpe foi promulgado o Ato Institucional Tecnocrata que extinguiu os partidos políticos e os substituiu por ape- que nas dois: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), representando defende os interesses da ditadura, e o Movimento Democrático Brasileiro públicas baseadas em (MDB), de oposição consentida ao regime. Os generais presiden- e critérios tes promoveram também alterações estruturais na administração pública, no sentido de uma forte centralização do poder, privile- sociais giando a autonomia do Executivo e limitando o campo de atuação Produto dos poderes Legislativo e Judiciário. Interno Bruto Sob a ditadura, a burocracia governamental foi dominada pelos Valor total dois e civis e militares, unidos em torno do lema "Segurança serviços por um e Eles foram responsáveis em boa parte pelo ano É tomado critério para o "milagre econômico" que marcou país entre 1968 e 1974. 0 PIB Nesse as taxas do Produto Interno (PIB) torna- é obtido ram-se próximas às dos países mais ricos, levando o Brasil a ocupar númaro a posição de oitava potência econômica do mundo capitalista. habitantes pais 48 49

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ssa elevação do PIB foi resultado da modernização da estrutura Eram os tempos do "Brasil grande" e das frases de efeito nacional, mas também, em grande parte, da politica que como "Brasil, ame-o ou deixe-o" e "Ninguém segura ibiu as conquistas salariais obtidas na década de 50. Criava-se este país". E também os tempos duros da repressão e poli- sim uma falsa ilusão de desenvolvimento nacional, já que cial, do desrespeito aos direitos humanos e do aviltamento dos direitos de oder de compra do salário mínimo foi sensivelmente reduzido, rnando ainda mais dificil a vida das famílias esvaziamento do Ministério da Saúde Ao crescimento econômico acelerado somaram-se as conquis- is esportivas como o tricampeonato de futebol alcançado em primeiro efeito do golpe militar sobre o Ministério da Saúde 970 utilizadas pela propaganda oficial para criar a foi a redução das verbas destinadas à saúde pública. Aumentadas e que o projeto governamental estava fazendo o país para a na primeira metade da década de 60, tais verbas decresceram até final da ditadura. ente. Os sucessos obtidos pela medicina também foram calorosa- Em nome da politica de "segurança e desenvolvimento" cres- divulgados pela ditadura, destacando-se primeiro trans- ceu o orçamento dos ministérios militares, dos Transportes da lante de coração da América Latina, realizado em maio de 1968 Indústria e Ministério da Saúde, enquanto teve elo Dr. Euriclides de Jesus Zerbini e sua equipe. de se restringir quase somente à elaboração de projetos e programas, delegando a outras pastas, como as da Agricultura e da Educação, uma parte da execução das tarefas sanitárias. Tal decisão não trou- xe melhoria aos serviços de saúde. PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NO ORÇAMENTO DA (1961-1980) % do orçamento % do orçamento Ano Ano para M. S. para M. S. 1961 4,57 1971 1,41 1962 4,31 1972 1963 1973 1,03 1964 3,65 1974 0,94 1965 2,99 1975 1,13 1966 4,21 1976 1,58 1967 3,44 1977 1,80 1968 2,21 1978 1,81 1969 2,58 1979 1,82 primeiro 1970 1,11 1980 1,38 de década de # de de Medicine no Social de em 1968 51 50

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A individualização da saúde pública Dengue causada por Apesar da pregação oficial de que a saúde constituia um "fator virus homem através da de produtividade, de desenvolvimento e de investimento econômi- picada de co" parte valiosa, portanto, do patrimônio da nação Minis- de pouco mortal essa tério da Saúde privilegiava a como elemento individual e não causa febre dores como fenômeno coletivo. E isso alterou profundamente sua linha de atuação. articulares secreção Uma parte do pouco dinheiro destinado ao setor foi desviada para pagamento dos serviços prestados por hospitais particulares aos doentes pobres. ministério utilizou verbas também em algu- Meningite mas campanhas de Quase nada sobrava para investir Name nos sistemas de distribuição de água tratada e de coleta de esgotos, dado as elementos vitais para a prevenção de muitas enfermidades. (membranas Embora o Ministério da Saúde retomasse compromisso de medula realizar programas de saúde e saneamento, conforme estabelecido ser causada por no II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1975, isso por não alterou significativamente a situação de abandono em que se Tem encontrava a saúde pública. resultado foi trágico, com o aumento de cabeça Se de enfermidades como a dengue", a e a malária. E for tratada quando tais doenças se tornavam epidêmicas, as autoridades da estado de ditadura recorriam à censura, impedindo que os meios de comuni- PS cação alertassem o povo sobre a ameaça. países estavam sendo assolados pela mesma doença, com um atendendo casos de de óbitos superior ao do Brasil. E negaram qualquer rela- de 1974 Epidemias silenciosas ção entre a epidemia e as condições de vida da população, agrava- não foi mais possivel Isso começou a ocorrer desde 1971, quando uma epidemia de das com fim do "milagre econômico". epidemia meningite se alastrou pelas principais cidades brasileiras, atingin- Com a expansão da epidemia e o aumento dos casos fatais, do principalmente a população residente na Nos dois pri- sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre Belo meiros anos da epidemia, os médicos ligados ao governo limita- Horizonte, em dezembro de 1974 o governo federal destinou ver- ram-se a desmentir as sobre a disseminação da Às bas para a vacinação em massa contra a meningite. Tentava assim vezes quebravam o silêncio para fazer declarações evasivas ou conter não só o avanço da enfermidade, mas também o pânico que dizer que os boatos sobre as mortes em série eram produto da ação já tomava conta da população. de "agitadores" ou de "pessoas mal informadas". Nas respostas das A campanha de vacinação definida como "uma verdadeira autoridades sanitárias uma coisa ficava clara: governo estava escon- operação militar" foi realizada até 1977, quando a meningite dendo foi declarada sob Nunca se soube com precisão Só no inverno de 1974, quando houve um súbito aumento dos casos e das mortes por meningite, os responsáveis pelo setor de número de atingidos e de mortos, informação mantida em sigilo saúde admitiram a epidemia. Mas acrescentaram que vários outros pela 53 52

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Estado e a Previdência Social Sistema Os baixos preços pagos pelos serviços médico-hospitalares e regime autoritário procurou ser um agente regulador da a demora na transferência das verbas do INPS para as entidades Para isso, forçou a desmobilização das forças poli- conveniadas determinaram a fragilidade desse sistema de aten- ticas e o enfraquecimento das instituições que atuavam antes de dimento à população. Enquanto governo reduzia ou atrasava 1964, substituindo-as por organismos e sistemas sob estrito con- os recursos para a rede conveniada, hospitais e aumen- trole do tavam as fraudes para receber aquilo a que tinham direito, e muito INPS Guias de internação falsificadas, cirurgias desnecessárias e a Aproveitando-se das dificuldades das antigas caixas e institu- prática de cesariana em vez de parto normal passaram a ser meca- tos de aposentadoria e pensões, o governo criou em 1966 o Insti- nismos comuns de Mais do que os prejuízos materiais, tuto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando todos os importantes em si mesmos, a mais grave tem sido a órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930. Dirigido degradação dos serviços médico-hospitalares prestados à pelos técnicos e políticos vinculados ao novo regime, o INPS população Em sua imensa maioria ela não tem outra ficou subordinado ao Ministério do Trabalho, assumindo patri- alternativa que não sistema previdenciário de os compromissos dos organismos que o antecederam. Ainda na década de 70 surgiu a chamada medicina de grupo. Estabeleceu-se assim, na esfera pública, um sistema dual de Com objetivo de oferecer melhor atendimento aos trabalha- INPS deveria tratar dos doentes individualmente, enquan- dores e reduzir os períodos de licença dos funcionários doen- to o Ministério da Saúde deveria, pelo menos em teoria, elabo- tes, as grandes e médias empresas começaram a firmar contra- rar e executar programas sanitários assistir a população durante tos com grupos médicos, que substituiam os serviços prestados pelo INPS. Como resultado desses acordos, as empresas deixa- as epidemias. Estado tornou-se o único coordenador dos serviços de assis- vam de pagar a cota previdenciária ao governo e em troca com- prometiam-se a prestar assistência médica a seus empregados, tência médica, aposentadoria e pensões destinados às famílias dos recebendo ainda do próprio governo federal. trabalhadores, mediante desconto de 8% do salário mensal. Ao mesmo tempo, aumentou de segurados e das atividades médicas subordinadas ao Estado: em 1960 elas correspondiam a ASSISTÊNCIA MÉDICA PELA PREVIDÊNCIA cerca de 50% do total de consultas e hospitalizações; 15 anos SOCIAL: DESPESAS PER depois, alcançavam mais de 90% Esse índice não significou apenas a extensão da cobertura Regiões 1971 1981 médica, mas também envolvimento de quase todos os e Norte 1 928,59 unidades hospitalares na rede previdenciária. Pela Constituição de Nordeste 1745,94 1967, o Estado deveria apoiar as atividades privadas; a atuação Centro-Oeste governamental seria apenas suplementar aos serviços prestados Sudeste pela medicina privada. Com isso, o INPS firmou convênios com Sul dos hospitais instalados no país, utilizando o setor pri- Valores de em Stephanes Social de 1984 173 0 to do vado para atender a massa antigo 1977 54 55

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MPAS Acidentes e doenças do trabalho Por essa época, INPS ameaçava sucumbir à incapacidade Somente em 1976, cerca de um quarto dos dois milhões de gerencial e à complexidade do sistema previdenciário, além da trabalhadores da construção civil foram vitimados por aciden- enxurrada de fraudes dos hospitais privados. Buscando contor- tes de trabalho. Essa proporção repetiu-se em vários outros nar esses em 1974 foi criado o Ministério da Previ- setores, como o de mecânica e material eletroeletrônico e o dência e Assistência Social (MPAS). Ao incorporar o INPS, o madeireiro. Ministério da Previdência livrou-o das imposições do Ministério Esses índices oficiais, certamente inferiores à realidade, eram do Trabalho, renovando assim a promessa de garantir a saúde explicados pela ditadura como parte do esforço coletivo para con- dos segurados. Para controlar a onda de corrupção, pagamentos tornar as dificuldades econômicas do momento. Para amenizar a ilegais de serviços médicos e aposentadorias "fantasmas", o situação, determinou-se pagamento obrigatório do salário insa- governo criou também a Empresa de Processamento de Dados lubridade para as atividades arriscadas, que podiam resultar em da Previdência Social (Dataprev), tentando conter a evasão de enfermidade ou morte dos operários. governo e empresariado recursos. desculpavam-se das condições gerais de trabalho com a justifica- Para atenuar as que atingiam o próprio regime, diver- tiva de que "era necessário fazer bolo crescer para depois dividi- sas outras medidas foram tomadas na área da assistência médica. Acrescentavam que a maior parte dos acidentes era causada Já em 1971 começara a funcionar Programa de Assistência ao pelos próprios operários, que se recusavam obedecer às normas de Trabalhador Rural (Funrural), que estendia aos trabalhadores do segurança estabelecidas. campo os direitos previdenciários. Alguns anos depois foi a vez Os acidentados, por sua vez, encontravam na Previdência So- do Plano de Pronta Ação (PPA). Seu objetivo era acelerar o aten- cial a única possibilidade de tratamento. Tornou-se costume os dimento dos casos médicos de urgência, ficando o Ministério da hospitais optarem pelo atendimento rápido desses acidentados Previdência e Assistência Social responsável pelo pagamento amputando braços e pernas, mesmo quando era possível tentar dos hospitais, conveniados ou não, que prestassem atendimento preservar a integridade dos trabalhadores. aos Por fim, em 1975, foi criado Sistema Nacional de Saúde, A perda de um membro condenava muitas pessoas a não vol- tarem mais para a linha de produção. Com a baixa aposentadoria projeto que tinha a finalidade de baratear e ao mesmo tempo tor- nar mais eficazes as ações de saúde em todo o país. Era mais que recebe, o operário com deficiência tinha e continua uma tentativa de superar deficiências no setor, que pareciam tendo poucas opções: encontrar uma colocação no mercado infor- mal de trabalho como vendedor ambulante, ou pedir esmola nas intransponíveis. Mas, apesar de todas essas deficiências, a expansão da assistên- praças públicas. Leucopenia cia médica individual e do número de leitos hospitalares repercu- As enfermidades causadas no trabalho ou em razão dele causada pela do tiu na queda dos indices de mortalidade geral: em 1960 esse indi- multiplicavam-se não em número mas também em varieda- de de. A poluição industrial no ambiente da produção fazia faz ce era de 43,3 óbitos por mil habitantes; vinte anos depois, vítimas entre os operários e também entre a população vizinha da para Também a expectativa média de vida se elevou para apro- intoxicação per ximadamente 63 anos. Ainda assim, Brasil permanecia como um das causando a chamada "morte lenta", através da produtos comumente dos mais enfermos da América Latina, superado em 1979 disseminação de inúmeras doenças, sendo a principal delas a no apenas por Haiti, Bolivia e Peru. 56 57

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ORIGEM E VENDAS DA INDUSTRIA foram compradas por grupos com sede nos Estados Unidos e na FARMACÊUTICA EM 1980 Europa. Além disso, a acolhida oficial a esses empreendimentos permi- Número de Sede do laboratório Participação nas tiu que os laboratórios farmacêuticos determinassem os preços e a unidades vendas qualidade dos medicamentos vendidos no Brasil. Em 1971, Brasil 379 (83,4%) governo criou a Central de Medicamentos (Ceme), com o objetivo Exterior 65 (16,5%) 79,3% de produzir, contratar e distribuir remédios essenciais à população A de de 710 de baixa renda. Mas essa providência não foi eficiente. A Ceme Saúde: um bom negócio para viu-se logo incapaz de concorrer com os laboratórios privados quebrar o dominio do mercado pelos grandes grupos farmacêuti- o capital estrangeiro cos A entrada no país de um grande volume de capitais estrangei- Uma infinidade de novas drogas, muitas delas de eficiência ros imediatamente deixou claro que o investimento na área de ser- duvidosa ou já proibidas em outros passou a ser vendida viços médico-hospitalares privados poderia ser um negócio extre- todos os Em 1976 existiam nas farmácias do Brasil cerca de mamente lucrativo. As classes médias em especial, beneficiadas cinco mil remédios considerados supérfluos, sem nenhum papel pelo "milagre encontraram nas companhias de seguro- significativo na cura de qualquer E as tentativas saúde caminho de acesso ao atendimento rápido e eficiente. Em governamentais de controlar o preço dos medicamentos esbarram troca, pagavam mensalidades que estavam fora do alcance da no desinteresse dos laboratórios. Quando ameaçados pelo poder maior parte da massa público, eles simplesmente interrompem a distribuição de seus Foi nesse contexto de modernização do consumo que a Golden produtos, deixando a população sem acesso a remédios vitais. Cross, seguida em pouco tempo por outros grupos estrangeiros, passou a concorrer com as companhias médicas brasileiras. Os investimentos internacionais na área do seguro-saúde mostra- ram-se altamente rentáveis: calcula-se que atualmente apenas 25% das verbas arrecadadas são aplicadas no atendimento aos conveniados, na manutenção da burocracia e nas campanhas publicitárias. O restante representa lucro líquido. Esse fato ani- mou tais empresas a diversificarem a aplicação de suas verbas, adquirindo hospitais e e, em alguns casos, incorporando faculdades de Indústria farmacêutica A presença do capital estrangeiro também pode ser detectada na indústria Os laboratórios e as empresas nacio- nais produtoras de equipamentos médico-hospitalares pouco a pouco perderam terreno diante da concorrência internacional. Entre 1965 e 1975, pelo menos 25 brasileiras 58 59

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é assolado por epidemias evitáveis, como os surtos de e dengue. E mantêm-se altos os indices de pessoas atingidas por tuberculose, tracoma, doença de Chagas e doenças mentais, con- firmando a permanência histórica do trágico estado da saúde A saúde nos anos 80 e 90 popular. A de saúde praticada desde os anos 80 pouco fez para alterar o quadro sanitário vigente nas décadas anteriores. Segundo alguns dos principais administradores da saúde pública brasileira, A crise brasileira agravou-se após a falência setor sofre sobretudo da ausência de planejamento e da descon- do modelo econômico do regime militar, manifestada sobretudo no tinuidade dos programas. Tal situação permite não só o alastra- descontrole inflacionário, já a partir do final dos anos 70. Ao mento da corrupção, mas também a ineficiência dos serviços de mesmo tempo, a sociedade voltava a mobilizar-se, exigindo liber- atendimento às necessidades básicas da população. dade, democracia e eleição direta do presidente da O último general presidente, João Figueiredo (1979-1985), viu- A herança da ditadura se obrigado a acelerar a democratização do a lenta e gradual abertura politica iniciada por seu antecessor. Foi extinto o biparti- 0 Serviço Militar dispensa, 30% do total, seguida pela insuficiência para servir am foram alistados cerca de 45% dos jovens que se alistan de peso # provocada 448 387 de 18 desse darismo imposto pelos militares e criaram-se novos partidos poli- nas três por parte pela total 651 774 foram dispensados ticos. A imprensa livrou-se da censura, os sindicatos ganharam A informação prestada minis- Segundo 0 ministro de problemas de maior liberdade e autonomia e as greves voltaram a marcar presen- do das Forças juventude brasileira está ça no cotidiano das cidades brasileiras. Valdir de um baixo de saúde prova disso Folha de 28 de agosto de que que a é esse alto indice de do servi- A mobilização pela volta de eleições diretas permitiu que em deficiência principal causa Em números concretos, expli- 1989 a população pudesse eleger soberanamente presidente da da dispensa do serviço militar, atinginda 0 no de já com a nova Constituição (1988) em vigor. Mas os sucessivos planos de estabilização fracassaram e a inflação anual elevou-se a mais de em 1993. Com isso, o governo federal Enquanto os Ministérios da Saúde e da Previdência Social con- tinuavam a padecer da crônica falta de verbas e de atos de corrup- manteve a politica econômica recessiva. Limitou- investimentos, ção, governo federal buscou alternativas através de contínuas cortou verbas públicas nos setores sociais inclusive na saúde reformas que visam integrar os serviços prestados por essas duas e conteve os a ponto de reduzir o salário a cerca pastas. Na década de 80, os projetos identificados pelas siglas de 25% de seu valor inicial, de julho de 1940. país reconquistou Prev-Saúde, Conasp e AIS mantiveram sempre a mesma proposta: a democracia em meio a uma das mais graves crises econômicas e reorganizar de forma racional as atividades de proteção e trata- sociais de sua história. mento da saúde individual e coletiva, evitar as fraudes e lutar con- A crise da saúde tra monopólio das empresas particulares de No entanto, os esforços para melhorar tratamento e a preven- Hospitais em precário estado de funcionamento, dificuldades de ção de doenças contaram com a oposição dos empresários da encontrar atendimento médico, mortes sem socorro especializado: saúde. Eles passaram a organizar lobbies (grupos de pressão) que este tem sido o quadro a que está submetida a maior parte da popu- atuavam no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas lação Como resultado da insuficiente expansão dos sis- para defender publicamente os interesses da iniciativa privada. Em temas de saneamento e da ineficácia da educação sanitária, país 1986 o presidente Sarney e as lideranças partidárias acabaram 60 61

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apoiando, sem muita firmeza, as propostas de reorganização do Da mesma forma que a população leiga, o clima politico permi- sistema de saúde oficial. Ao mesmo tempo, contudo, mantiveram tiu que a classe médica expressasse seu descontentamento com as c até mesmo reforçaram a presença das empresas de saúde como condições de trabalho que lhe cram elemento mais importante da prestação de assistência médica, gra- A proliferação das faculdades de medicina durante o periodo dita- à contínua transferência de verbas públicas. torial o número de escolas médicas elevou-se de 28 para 75 entre 1960 e 1980 faz com que existam atualmente cerca de duzentos Movimentos sociais mil médicos em todo o Uma das dessa situação Com os novos ares da abertura os moradores da perife- foi a proletarização da maior parte dos profissionais da área. Mesmo ria dos grandes centros começaram a lutar pela melhoria de suas antes de completarem curso, os novos médicos são obrigados a assu- condições de vida. Com a assessoria de padres e médicos sanitaris- mir dois, três ou mais empregos, em instituições públicas e privadas, tas, foram criados os Conselhos Populares de Saúde, encarregados e ainda a se submeterem aos baixos valores que as empresas de segu- de obter melhor saneamento básico e a criação de hospitais e cen- ro-saúde pagam pelo atendimento a seus filiados. tros de saúde nas áreas mais carentes. As precárias condições impostas aos médicos que atuam nos hospitais multiplicam as possibilidades de erros e cirúrgicos. Em geral, tais erros são apresentados de forma equivo- ENCONTRO cada na imprensa, como responsabilidade exclusiva dos clínicos. Sistema Unificado de Saúde POPULAR Cientes desses fatos e também do péssimo estado de saúde da população, os profissionais do setor organizaram-se na defesa da DE SAÚDE profissão e dos direitos dos pacientes. Disso resultou, ainda no MELHOR final dos anos 70, o surgimento da Associação Brasileira de Pós- NA Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). A partir dessas associações, desenvol- veu-se o chamado Movimento Sanitarista que, ao incentivar as dis- SAUDE cussões, buscou encontrar respostas para os dilemas da de UNIDO saúde Um dos principais produtos desse movimento foi a elaboração de um documento intitulado Pelo direito universal à saúde, que sublinha a necessidade de o Estado se comprometer definitiva- mente com a assistência à saúde da população. Nesse texto, afir- ma-se com que o acesso à assistência médico-sanitária é direito do cidadão e dever do Estado. movimento popular de A importância desse princípio repercutiu nos trabalhos da San Assembléia Após os inevitáveis confrontos com os -PROGRAMA- desde os 1417 DEPOIMENTOS uma mais fortes lobbies patrocinados pelos empresários que lucravam com a MESA 1517 SEMINARIOS da luts cia da saúde pública, a redação final da Constituição promulgada PLENARIO GERAL FILME "CASO da população por em 1988 incluiu a maior parte das propostas das organizações popu- LOCAL DE VIADUTO qualidade de lares e de especialistas na área da saúde. 62 63

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SUDS e SUS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTE NAS Entre os dispositivos da Constituição encontra-se a criação do NORDESTE E SUDESTE EM 1988 Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (Suds). Baseado no Nordeste Sudeste de integração de todos os serviços de públicos e (n° absoluto e % (n° absoluto e % particulares, o Suds deveria constituir uma rede hierarquizada e Grandes sobre 0 total sobre total regionalizada, com a participação da comunidade na administração grupos regional de regional de das unidades locais. óbitos) Além disso, governo procurou estabelecer condições para que Doenças infecciosas o Estado interferisse mais acentuadamente nos serviços particula- parasitárias (7,38) 19776 (4,76) res de Exigiu maior controle das atividades desenvolvidas Câncer 10 248 (4,91) (10,89) pelas instituições privadas no setor médico-hospitalar, inclusive Doenças do dos laboratórios encarregados da coleta e distribuição de sangue e circulatório 138 886 (33,42) seus derivados. Por fim, setor privado de saúde foi definido Doenças do aparelho digestivo (2,64) 19 139 (4,61) como "forma complementar" aos serviços públicos; as entidades Causas externas (8,89) 50 540 (12,16) filantrópicas teriam papel auxiliar no funcionamento do Suds. Causas mal definidas (44,27) 34 093 (8,20) projeto de municipalização dos serviços de saúde, represen- tado pelo Suds, encontra os mesmos que condenaram ao fracasso outros projetos descentralizadores principalmente a ainda não têm médico nem unidades de assistência aos enfermos, recusa das empresas particulares em se submeterem ao sistema enquanto no eixo Paulo se concentram mais de 50% dos unificado. Além disso, muitos prefeitos que recebem as verbas profissionais de saúde e dos hospitais. Mesmo assim, os destinadas à saúde aplicam parte ou total do dinheiro em outros los para o acesso a atendimento médico internamento são gran- setores da administração pública, ou simplesmente desviam ilegal- des nas Esse fato continua sendo uma das principais mente esses fundos para contas fontes de aflição das famílias Em o Suds atualmente apenas como um objetivo futuro. De concreto houve a integração, mesmo que Distribuição regional imperfeita, dos serviços mantidos pelo sem a participação A dimensão injusta da sociedade pode ser claramente observa- das empresas Surgiu assim Sistema Unificado de da através da análise e da distribuição da pobreza e das doenças Saúde (SUS), encarregado de organizar, no plano regional, as nas diferentes regiões brasileiras. ações do Ministério da Saúde, do Inamps e dos serviços de saúde Desde o século XIX as sucessivas sociais praticadas estaduais e pela administração federal privilegiam a população do Sudeste e do Sul do país, que são o pólo dinâmico e moderno da economía. A epidemiologia da desigualdade Em contraste, o Norte e Nordeste têm recebido pouca atenção Na década de 90, Brasil continua sendo um ferido por do governo, situação que condena seus habitantes à miséria e à desigualdades e injustiças gritantes. No setor da saúde, os dados morte por que poderiam ser evitadas. permanecem Apesar da precariedade das sani- Nordeste, onde se concentra o maior número de brasileiros tárias principalmente nas áreas rurais do Norte do Centro- que ganham menos de um salário minimo por mês, é também o ter- Oeste calcula-se que a cada ano perdem-se cerca de trezentos ritório dos indigentes alimentares todos os com renda mil dedos em acidentes de trabalho. Muitos municípios brasileiros familiar de, no máximo, o valor da cesta básica de alimentos. 64 65

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resultado histórico da subnutrição e da fome repercute dire- tamente nas avaliações As taxas de mortalidade infan- til do Nordeste são assustadoras, apesar da tendência decrescente Conclusão registrada há algumas décadas. Mesmo assim, a possibilidade de uma criança não ultrapassar o primeiro ano de vida é quase qua- "Saúde para todos no ano 2000" tro vezes maior no Piaui do que em São Paulo fato que atesta as diferentes condições de vida e de assistência médica nos dois estados. J se passaram alguns anos desde que a Subnutrição e saneamento Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que todas as O retardamento do crescimento na relacionado à sub- nações que a compõem devem assumir o compromisso até nutrição em várias gerações de uma mesma é um fenôme- fim do estender a assistência médico-hospitalar e as ações no constante nos grupos de baixa renda em todo país, atingindo preventivas a todos os seus cidadãos, independente de classe so- indices elevados no Esse favoreceu surgi- cial, nível de instrução, ou opção mento de uma legião de "homens-gabirus", termo empregado pela Brasil, como país participante da OMS, assinou essa declara- imprensa para descrever os adultos com baixa estatura e ossos frá- ção de Apesar disso, mesmo faltando poucos anos para geis incapazes, portanto, de executar trabalhos que exijam encerramento do prazo, ainda está longe de atingir os obje- muita força e cujo organismo apresenta baixa resistência às tivos fixados. Passos importantes já foram dados para proporcionar um me- Junta-se a isso a escassez dos serviços de saneamento básico e padrão de saúde para a população brasileira. principal deles a deficiente rede hospitalar, fazendo com que os brasileiros do é a concepção de que a saúde e a doença são um processo depen- Nordeste sofram de doenças típicas das áreas pobres, como o cóle- dente de muitos fatores. A enfermidade não pode ser entendida ra, a febre e a peste bubônica, além de altos de mor- como um fenômeno exclusivamente biológico, explicada apenas talidade pelo meio ambiente o tamanho da população humana e número de animais e insetos em contato com o homem. Talvez mais importante que esses fatores são as características sócio-his- tóricas da comunidade, incluindo a organização social e as relações entre os individuos no processo de trabalho. Ao mesmo tempo, tem-se notado esforço oficial, mesmo que para alterar rumo das políticas de Ao lado do modelo de assistência médica previdenciária e de caráter individual, várias tentativas sido realizadas para promover o saneamento do meio e a educação popular em matéria de saúde e higiene. Em 1995, as tentativas oficiais de melhorar os serviços de saúde prestados à população buscaram novas formas de médi- CO Adib Jatene, ministro da Saúde, defendeu com vigor a criação de um imposto especial sobre movimento bancário de todos os cidadãos, para conseguir verbas suplementares para financiar as 66 67

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ações sanitárias e o atendimento médico. Em São Paulo, prefeito Paulo Maluf o Plano de Assistência à Saúde cada distrito sanitário do municipio seria responsabilidade de cooperativas formadas por profissio- nais da saúde ou por empresas médicas, que contariam com verbas públicas para oferecer um serviço mais racio- nal e produtivo aos paulistanos. Por último, é preciso ressaltar que a proteção da saúde depende sobretudo das decisões É a participação da sociedade o elemento mais importante para garantir a melhoria da saúde no país, através da concretização das intenções que por enquanto são apenas propostas. Somados esses fatores, talvez ainda seja possivel que, até o ano 2000, o Brasil cumpra uma parcela importante do compromisso selado com a OMS.

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Depois da leitura: reflexão e debate 1. A saúde, tanto no plano individual quanto no coletivo, é um Bibliografia dependente de vários fatores. Enumere-os. 2. Desde a instituição da a promessa oficial de todos os BARATA, Rita de Barradas. Meningite: uma doença sob censura? São Paulo, Cortez, 1988. presidentes tem sido proteger a saúde da Por que Acidentes de São isso não tem ocorrido? 1985. 3. Como as idéias racistas divulgadas na primeira metade do Maria Cecilia F. e Saúde e século XX influenciaram os diagnósticos sobre a saúde da sociedade. São Paulo, Duas Cidades, 1976. população brasileira? Dr. E. Christian. Os direitos do paciente. Rio de Janeiro, Record, 1991. 4. Leia quadro Francisco Julião e a fome e relacione as idéias José Carlos Sebe Bom e BERTOLLI FILHO, Claudio. expostas com D que está acontecendo atualmente com a popu- História social da São Paulo, Cedhal/USP, 1990. lação rural do Nordeste e da A Revolta da Vacina. São Paulo, Ática, 1995. 5. Compare as medidas tomadas na área de saúde pelos gover- OLIVEIRA, Jaime A. de Araujo e Sonia M. Fleury. nantes que atuaram durante os dois períodos ditatoriais da his- (Im)previdência social. Vozes, 1986. tória PAULA, Sergio Goes de. Morrendo à toa; causas da mortalidade infantil no Brasil. São Paulo, Ática, 1991. 6. Atualmente os grupos sociais mais abastados recorrem aos Cristina. Epidemiologia e sociedade. São Paulo, serviços de seguro-saúde, enquanto os trabalhadores pobres Hucitec, 1989. dependem exclusivamente da Previdência Social. Explique SINGER, Paul et alii. Prevenir e Rio de Janeiro, Forense esse processo. Universitária, 1978. 7. Pesquisa: converse com uma pessoa idosa e pergunte a ela SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco. Rio de Janeiro, Paz e sobre as doenças que enfrentou na vida e como conseguiu Terra, 1976. tratar-se. SPINOLA, Aracy Witt de Pinho, coord. Pesquisa social em saúde. São Paulo, Cortez, 1992. 8. Atividade: visite hospital mais antigo de sua cidade e tente STEPAN, Gênese e evolução da ciência Rio de conhecer sua história e seus problemas atuais. Janeiro, Artenova, 1976. 9. Tema para discussão: a saúde coletiva como fator relacionado YIDA, Massako. Cem anos de saúde pública. São Paulo, Editora com desenvolvimento econômico e social do Brasil. da Unesp, 1994. 10. A partir da leitura deste livro, elabore um relatório visual sobre as condições de vida e de saúde de sua cidade, com fotografias publicadas pela imprensa ou tiradas por você mesmo. 11. Analise alguns livros de Ciências e de Programas de Saúde e identifique a forma pela qual as questões de saúde e doença são relacionadas com os fatores sociais. 70 71

História da saúde pública no Brasil - Outros (2024)

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